E se a justiça estiver a errar nos vistos gold?

Oiço à minha volta preocupação  generalizada  com a degradação da  imagem das instituições  do Estado por causa das  recentes detenções de funcionários  públicos de topo. Contraditoriamente,  a manifestar afinal grande  fé no mesmo edifício que sustenta  o Estado, leio generalizado  aplauso a esse movimento das autoridades  em combate à corrupção  nos vistos gold. Nesta minha cabeça  tortuosa, no entanto, a pergunta  assalta-me, angustiante: e se a  justiça, que tantas vezes nos enganou  ou desiludiu, está, mais uma  vez, a cometer um erro? Que imagem  do Estado resultará de uma  outra hecatombe dessas? 

Vejo no Diário de Notícias que o  diretor dos Serviços de Estrangeiros  e Fronteiras, Manuel Palos, cuja carreira  está liquidada, esperou vários  dias na cadeia para responder a perguntas  sobre a aceitação de duas  garrafas de vinho (repito, duas garrafas  de vinho) enviadas pelo seu  colega, também preso, diretor do  Instituto de Registos e Notariado,  António Figueiredo... Ai... 

Escreve o Correio da Manhã que  a Polícia Judiciária não consegue  avaliar em quanto é que Figueiredo,  o suposto cérebro da operação,  e Maria Antónia Anes, a eventual  cúmplice secretária-geral do Ministério  da Justiça, ganharam com o  possível esquema que montaram...  Isto é que são indícios sólidos?... 

Leio no Expresso que a PJ acusa  um diretor do SIS, Horácio Pinto,  de ter ajudado ilegalmente Figueiredo  a rastrear possíveis escutas telefónicas  que, afinal, a Judiciária  nem estava a fazer... Estas guerrinhas  servem a quem?

E vários jornais referem que a notícia  da Sábado de 5 de junho, que  avançou a existência desta investigação,  foi uma fuga de informação  que visava proteger Figueiredo...  A fonte desta declaração é a mesma  que deu a primeira dica à revista? 

Entre febre justicialista, erros  processuais, incompetência rotineira,  avaliações desproporcionadas  dos delitos, traficância com os  jornais, vendetas entre corporações  e um juiz que, coitado, apanha com  todos os casos bombásticos e já  deve querer é prender o país inteiro,  a possibilidade de a montanha  parir um rato e de a justiça portuguesa  sair daqui envergonhada é  bem maior do que parece, agora,  aos contentinhos do regime. 

Entretanto, há um facto: o poder  político parece não estar a interferir  no processo judicial, apesar das declarações  estúpidas da ministra da  Justiça sobre o “fim da impunidade”  que este caso representaria, condenando  implicitamente quem ainda  nem se defendeu. Mas porque está  o poder político tão sossegado? Porque  Miguel Macedo, embrulhado  no caso, portou-se como um tipo  decente. Isso condicionou a classe  política e calou o alarido habitual.  Ainda bem. Mas, receio, é capaz de  não durar muito... 

in Diário de Notícias, 18 de novembro de 2014

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