Nascemos em 1963. Ele acreditava na inteligência e na imaginação. Eu acredito na inteligência e na imaginação. Ele acreditava em Deus. Eu acredito que desaparecemos no pó, sem mais nada a seguir.
Ele parecia um milionário do futuro, fadado para o êxito. Eu parecia um idealista lírico, condenado a revolucionar o futuro. Sim, futuro era aqui palavra-chave: tínhamos, sem dúvida, futuro e isso é uma alegria infinita. Ríamos, portanto, bastante...
Demo-nos bem e trabalhámos. Divergimos, muito. Ele durou pouco por ali.
De dois em dois anos, mais ou menos, telefonava. Era sempre ele, gentil, que telefonava.Almoçávamos. Uma vez, à saída, encontrámos no chão um molho de notas. Contámos cem euros: "Pedro, tu fazes-me ganhar dinheiro!". Rimos, como sempre.
No dia 12 de janeiro de 2012 encontro o Manuel Forjaz no Hotel Tivoli, numa conferência organizada pelo Diário de Notícias. Enquanto o ministro Álvaro Santos Pereira discursava, pergunto-lhe, na sala ao lado: "Então como estás?". "Tenho um cancro no pulmão", respondeu, a sorrir. Abri a boca para dizer qualquer coisa. Não saiu som. Fiquei a ouvi-lo, a explicar como foi diagnosticado, os tratamentos, as expectativas... Voltei a tentar: não saiu som. Ele ria. Eu não.
Uma jornalista interrompeu-nos: o ministro acabara de sugerir aos portugueses que fizessem um franchising de pastéis de nata. Fugi para o surrealismo político...
Exatamente dois anos depois ele não telefonou. Falou-me através de uma notável entrevista de Catarina Carvalho, publicada na revista Notícias Magazine de 12 de janeiro de 2014, ao atirar-me esta frase: "Posso morrer de cancro, mas o cancro não me matará." O resto, vivi-o como os outros portugueses: livro, televisão e um homem que se ria.
Manuel Forjaz não foi um grande administrador de jornais. Foi o homem que elevou na imprensa o estatuto da palavra cancro: ninguém mais morrerá de "doença prolongada" se essa doença, dignificada pelo seu exemplo despudorado, se noticiar, simplesmente, "cancro".
"Quando eu morrer batam em latas,/ Rompam aos saltos e aos pinotes,/ Façam estalar no ar chicotes,/ Chamem palhaços e acrobatas!/ Que o meu caixão vá sobre um burro/ Ajaezado à andaluza.../ A um morto nada se recusa,/ Eu quero por força ir de burro." (Mário de Sá-Carneiro)
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