A prisão de Sócrates é justiça ou vingança?

Prender e condenar em tribunal criminosos da política, da banca, das polícias, é bom para o país. Prender mas falhar depoisas condenações desses poderosospor incompetência ou má-fédas investigações é uma enorme tragédia para Portugal. A pergunta que não sai da minha cabeça é esta: a prisão de José Sócrates é um ato de justiça ou é uma vingança? 

O magistrado Rosário Teixeira, o homem que lidera a Operação Marquês, que deteve o antigo primeiro-ministro, é o mesmo que no dia 15 de fevereiro de 2006 dirigiu a equipa que invadiu a redação do jornal 24horas, então dirigido por mim, para fazer buscas a tentar descobrir a origem de notícias publicadas  que, comprovadamente  verdadeiras, desagradaram nessa  época à Procuradoria-Geral da República,  apesar de não violarem o  segredo de justiça. 

A elevada qualificação jurídica  de Rosário Teixeira e o seu evidente  prestígio profissional não o impediram,  no entanto, de cometer  uma ilegalidade óbvia, percetível  até para um leigo como eu, posteriormente  sentenciada por todos  os tribunais que se debruçaram sobre  o caso e que deram sempre razão  aos jornalistas, confirmando,  repetidamente, a nulidade dessas  buscas. 

Não faltaram, desde 1996, investigações  do Ministério Público que,  de uma forma ou de outra, envolveram  suspeitas sobre José Sócrates:  entre os casos Cova da Beira,  Freeport, Monte Branco, o curso  superior de Engenharia validado  ao domingo, a mobilização de  meios para calar o jornalismo da  TVI, Sócrates foi um espécie de suspeito  permanente do Ministério  Público mas, tal como Leonardo  DiCaprio a fazer de Frank Abagnale  Jr. no filme Apanha-Me Se Puderes,  escapou sempre à caça. 

Algumas dessas investigações  passaram pelo gabinete de Rosário Teixeira e não sei se o antigo primeiro-ministro fez dele uma espécie  de Carl Hanratty, o polícia interpretado  por Tom Hanks que se viu  obrigado a transformar a captura de Abagnale num projeto de vida. 

Espero que desde 2006 até hoje  o Ministério Público tenha aprendido  com os erros e que ao entregarem  este caso ao juiz Carlos Alexandre  para instrução não o tenham  contaminado com a paixão  da vingança e que este não beba  desse veneno tentador.

Infelizmente, as aparentes fugas  de informação, seletivas, publicadas  pelos jornais desde sexta-feira,  que não podem ter origem na defesa,  fazem-me temer o pior. 

Ironicamente, os políticos, sempre  na berlinda, estão neste caso a  dar lições de comportamento responsável.  Espero que se aguentem,  até porque ainda há tempo e espaço  (o processo Sócrates vai durar  anos) para que a justiça se faça de  forma total e limpa.

in Diário de Notícias de 25 de Novembro de 2014

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