O artigo 86 do Código do Processo Penal é taxativo: o segredo de justiça só pode ser declarado se um juiz aceitar um pedido razoável de um arguido, de um assistente ou do ofendido. É o parágrafo 2. Também pode existir segredo de justiça na fase de inquérito do processo, quando o Ministério Público entender que, passo a citar, "os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem". É o parágrafo 3. E como é o primeiro parágrafo, o que determina o "espírito" da lei? Proclama: "O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as exceções previstas na lei."
A lei é hipocritamente aplicada. A maior parte dos processos são públicos mas apenas por não interessarem à imprensa. Nas poucas dezenas que os jornais acompanham a regra é declarar-se o segredo de justiça e, a partir daí, desencadear--se uma batalha, paralela à guerra jurídica, em que as partes envolvidas pingam detalhes a conta-gotas, selecionados e não verificáveis pela leitura das peças processuais.
O tempo do segredo de justiça liberta o boato anónimo, a coberto do sigilo do jornalista. É o tempo para as autoridades e os arguidos, muitas vezes pessoas poderosas que justificam o interesse mediático, manipularem a opinião pública.
O jornal que tentar colocar-se fora dessa luta tem um belo futuro: a morte. Os leitores entenderão a ausência de notícias como incapacidade dos jornalistas desse título ou, pior, alvitram a existência de uma cumplicidade silenciosa com os suspeitos. É um suicídio profissional. Não há outra solução senão participar no jogo sujo, inevitavelmente favorável a quem procura uma acusação. É o segredo de justiça que impõe esta porcaria.
Na altura em que os jornais noticiaram a hipótese de o caso do Meco ser um crime, o Ministério Público requereu o segredo de justiça. Não havia, porém, arguidos ou ofendidos a pedir essa proteção. Então, porquê? Para evitar a "contaminação da prova, visando a recolha da mesma com autenticidade e espontaneidade", lê-se na fundamentação desse requerimento.
As mortes ocorreram em 15 de dezembro. Este pedido de proteger a investigação entrou em vigor a 21 de janeiro. Que contaminação de provas se quis, tanto tempo depois, evitar? Que espontaneidade, 38 dias depois dos factos, se tentou alcançar? Protege-se realmente a investigação ou, apenas e só, o investigador? Estão a esconder as falhas das autoridades? Parece que sim.
Entretanto o jogo sujo começou: a reputação do único sobrevivente, segredada por alguém que provavelmente defende imenso o respeito pelo segredo de justiça, está quase arruinada. As famílias das vítimas estão confundidas... É o podre Portugal do costume.
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