Estranhei a diligência, a pressa e, palpita-me, a alegria com que as autoridades portuguesas divulgaram duas passagens, a 160 quilómetros da costa portuguesa, de bombardeiros russos e o envio, por ordem da NATO, de caças F-16 nacionais para os vigiarem.
Os testes que Putin mandou fazer à velocidade de resposta das forças ocidentais nada intencionam de bom, é claro, mas o espalhafato feito com este e outros incidentes recentes contrasta com o tradicional secretismo que a Aliança Atlântica impõe a estes assuntos.
Conta a história que o presidente norte-americano, Dwight Eisenhower, um republicano crítico dos défices do Estado, atrapalhado com uma economia anémica, gastou dinheiro dos contribuintes em obras públicas como nem o despesista Franklin Roosevelt, em tempo de paz, fez com o seu New Deal.
O truque político de Eisenhower para aprovar investimentos gigantescos foi justificá-los como essenciais à segurança nacional. Em 1956 mandou cobrir o país com uma rede de asfalto chamada “Autoestrada de Defesa Nacional”, apresentada como um meio de transportar abastecimentos caso a União Soviética atacasse a América. E quando os russos, em 1957, mandaram o Sputnik lançar terríveis “bips” do espaço sideral contra indefesos aparelhos de radioamadores ocidentais, a NASA conseguiu a dotação orçamental anual de 18,7 mil milhões de dólares, acrescentados a 20 mil milhões para o Pentágono pagar satélites e foguetões militares.
Ter um ambiente de Guerra Fria em tempo de crise económica pode mesmo ser coisa que alguns dirigentes do mundo, secretamente, desejam. Já imagino o nosso Passos Coelho a defender junto da senhora Merkel a flexibilização do défice para comprar um cacho de aviões que possa assustar, a sério, os russos. Ou virar-se para Obama a lembrar a utilidade da base das Lajes. Paulo Portas até pode exigir mais submarinos e António Costa é homem para criticar o governo por não lançar um programa de construção de linhas férreas e aeroportos que reforce a posição estratégica do país no quadro da NATO.
Nesta União Europeia aflita nem estranharia que os mais convictos defensores da austeridade aproveitem a ameaça russa e, tal como Eisenhower, decidam subsidiar investimentos “estratégicos” em armas, energia, telecomunicações, palha para burros ou qualquer coisa que faça subir o PIB europeu. Quem sabe até se, nos corredores da Comissão Europeia, já ecoe o grito: “Vêm aí os russos. Viva!”.
Acontece que Eisenhower, arrependido, saiu da presidência norte-americana a discursar contra o perigo que o “complexo militar-industrial” (sic) representava para a democracia e para a liberdade... Pois, ele lá sabia porquê.
in Diário de Notícias, 4 de Novembro de 2014
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