Esta semana discutimos se Eusébio tinha lugar no Panteão Nacional. Esta semana debatemos a hipótese de Cristiano Ronaldo não ganhar a Bola de Ouro. Esta semana enganámos a crise, fingindo não estarmos preocupados com ela. E, no entanto, reparo que Passos Coelho foi ontem o primeiro político a anunciar ao povo que congratulara "calorosamente" o capitão da seleção nacional pela vitória na eleição de melhor jogador do mundo. Estamos nós a tentar esquecê-lo, mas ele não nos deixa em paz, caramba!
É, neste aspeto, Passos Coelho pior do que os outros políticos portugueses de topo, nos vários partidos e nas várias instituições nacionais? Não. Desta vez até foi, objetivamente, o melhor, pois liderou a correria para apanhar as primeiras migalhas desse bolo-rei cozinhado de êxito chamado Cristiano Ronaldo.
O problema não está na competência com que os políticos tentam aproveitar para si próprios o mérito dos outros - afinal, se o primeiro-ministro de Portugal não manifestasse ontem alegria pela entrega do troféu ao craque do Real Madrid, hoje estava a população, muito justamente, a dar-lhe nas orelhas.
O problema está em todos, mas mesmo todos os políticos com direito a uns segundos de tempo de antena, até aqueles a quem nada sobre o assunto é perguntado, fazerem questão de adicionar algo de seu e de transmitir às massas a prazenteira emoção atravessada no seu espírito, ocasionada pela honrosa recompensa dada ao cidadão do mundo mais competente na arte de meter bolas dentro da baliza adversária.
Esta atitude atingiu níveis de verdadeira morbidez no caso do falecimento de Eusébio. Na Assembleia da República fez-se uma sessão de homenagem e cada partido mandatou o melhor homem disponível para discursar um elogio. Às tantas as ideias faltavam para brilhar naquela competição de grandiloquência e Eusébio, o simples Eusébio, correu o risco de subir ao nível da divindade, correu, portanto, o risco de sair dali ridicularizado.
E neste mesmo Parlamento onde, e ainda bem, há visões para o País tão diferentes que não é possível encontrar lá dentro unanimidade sobre assuntos como os cortes nas despesas do Estado, os aumentos de impostos, a renegociação da dívida ou o correto investimento público, chegou-se em apenas algumas horas a um consenso sobre o envio do Pantera Negra para o Panteão, sem ninguém se sentir na obrigação de cumprir o contrato assinado com os eleitores e, pelo menos, lançar um verdadeiro debate sobre o assunto, com vários ângulos e perspetivas, com vários prós e contras, como se tem de fazer sobre qualquer tema de relevância nacional. Que cobardia!
Não, não estou a defender que Eusébio não vá para o Panteão. Não, não estou a defender que os líderes do Estado devem ser indiferentes às vitórias dos nossos desportistas. Mas, hoje, o político que me encheria as medidas teria sido aquele que respondesse assim a um jornalista: "Esse prémio é de Cristiano Ronaldo, é o momento dele, não quero aproveitar-me disso e, portanto, limito-me a dar-lhe os parabéns... Tem alguma pergunta sobre a crise económica que afeta os portugueses?"
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