O respeitado, influente e aparentemente empenhado em arruinar a nossa vida Wall Street Journal publicou uma reportagem sobre o que leva muitos portugueses a comprarem Bimbys. Avia-nos com uma frase-chavão: "Os portugueses adoram gadgets e, apesar dos tempos difíceis, parecem determinados em manter a sua tradição de se juntarem regularmente para jantar."
Acontece que neste 2013 que agora termina (já agora: bom ano de 2014, caro leitor ou leitora) esse robô de cozinha, que custa 966 euros, bateu um recorde de vendas. Exclama o WST ser caso único na Europa pois, em ano de crise, esta máquina "vende mais do que os últimos iPads em Portugal e é mais popular no Facebook do que a banda de rock mais conhecida do país".
Este é o mesmo WST que com o Financial Times popularizou a sigla PIGS (que, se for lida como palavra em inglês, significa "porcos") para definir os países europeus com problemas de dívida pública: Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain).
Os jornais adoram chavões. Quando um acontecimento se pode explicar através de um clichê, o jornalista, o editor e toda a cadeia alimentar do comércio da comunicação exultam: não há que investigar, não há que analisar, não há que pôr os neurónios a trabalhar. Basta mergulhar no lugar-comum, facilitador e útil na diminuição do trabalho dos leitores em conseguir entender o que lhes está a ser dito.
Quando não há chavões disponíveis para sintetizar uma situação, a tendência é tentar criá-los.
Já criei inúmeras frases ou adotei simples palavras postas em títulos de jornais que vieram a transformar-se em chavões. Não me gabo disso porque, à distância, essa capacidade profissional (hoje em dia tecnicamente inevitável) me embaraça pois, invariavelmente, um chavão reduz uma pessoa, uma situação, uma empresa, um partido, um governo ou até um país ao menor denominador comum e, consequentemente, à ridicularização perigosamente simplificadora da complexidade da vida.
Mas os jornais não são tratados de política, de sociologia ou de história e tentar fazer neles algo que ultrapasse a ambição do que é ilustrável com um simples chavão é, provavelmente, uma impossibilidade e, receio, um perigo ainda maior.
Reparo que os chavões do norte-americano Wall Street Journal sobre os portugueses podem ser descodificados assim: "porcos sem dinheiro, viciados em luxo e comida". É verdade que antes da vinda da Bimby já cá havia bimbos mas também é verdade que outros velhos chavões afirmam que os americanos são doidos consumistas, não sabem comer e exploram o mundo... Dá vontade de retaliar, não dá?
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