Um punho fechado tem significado. Simboliza a mão que se fecha sobre a ferramenta que aperta, bate, empurra, constrói. Simboliza o poder dos imperadores romanos que, de polegar para cima ou para baixo, decidiam vidas de gladiadores escravizados. Simboliza a vitória de um desportista, a luta de classes de um operário, o voo do Super-Homem ou (não se esqueça, caro leitor) a imagem oficial do Partido Socialista português.
A semiótica do punho fechado é ideologicamente contraditória mas tem uma componente sempre presente, unificadora: a força.
Os comunistas erguem o punho fechado do braço direito. Um comunista alemão, que veio a morrer em 1944 num campo de concentraçao nazi, Ernst Thälmann, explicou, de forma simples, o porquê: "Um dedo pode ser partido mas cinco dedos formam um punho fechado." O punho fechado dá força aos que são fracos.
Quando Nelson Mandela foi preso, em 1962, era membro do Comité Central do Partido Comunista Sul Africano. Quando, 28 anos depois, foi finalmente libertado, caminhou lentamente, ao lado de Winnie, metros e metros, a exibir para as câmaras televisivas e para as máquinas fotográficas vindas de todo o mundo o seu braço direito erguido, de punho fechado.
Se escrevermos no Google, em inglês, "punho" e "Mandela", encontramos milhares de fotografias onde, ao longo do tempo, com cada vez mais cabelos brancos, se documenta, incessantemente, a mesma saudação do punho fechado.
Ele era líder do ANC e erguia o punho fechado. Ele foi eleito presidente da África do Sul e erguia o punho fechado. Ele recebeu o Prémio Nobel da Paz e não passou a esquecer-se de erguer o punho fechado. Ele passou a ser a personalidade mais respeitada e admirada do mundo atual e continuava, vezes e vezes sem conta, a erguer o punho fechado.
Mandela homenageou toda a vida o percurso que o levou a conquistar um princípio de justiça na África do Sul: o caminho de um homem comum que teve de usar a força, que teve de fechar os seus cinco fracos dedos para formar um punho capaz de magoar.
Todos adoramos o Nelson Mandela cavalheiro e tolerante, o homem decisivo que impediu que a revolução na África do Sul se transformasse num banho de sangue. Mas, ao contrário do que às vezes me parece ler nas milhares de elegias impressas nestes dias de luto, recuso-me a esquecer o revolucionário que, de punho fechado, lutou com dureza para conseguir ser, um dia, o Mandela delicodoce que os poderosos do mundo celebram e, muito justamente, homenageiam.
PS: A semana passada analisei um texto da Agência Ecclesia que fazia a síntese de uma comunicação do Papa Francisco e onde aquela agência destacava o que achava ser mais relevante desse texto papal. Por lapso, não referi a qualidade de resumo desse texto - o que justificou a minha crónica -, o que poderia dar a ideia de que a agência não fez outros despachos sobre o tema, o que é, obviamente, falso.
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