Uns quantos paladinos da moral e dos bons costumes jornalísticos exerceram o legítimo direito de criticar Rodrigo Guedes de Carvalho, subdiretor da redação da SIC, por ter simulado uma entrevista "a sério" ao grupo cómico apresentado como Gato Fedorento. Aqui o DN destacou duas reações - a professora doutora Estrela Serrano e o presidente do Observatório de Imprensa, Joaquim Vieira.
Escreve a senhora que já foi a alma da Entidade Reguladora para a Comunicação Social: "Quando RGC (sim, a professora doutora reduziu Rodrigo Guedes de Carvalho a uma sigla) voltar a falar-nos como jornalista 'a sério' na sua cadeira de pivô do Jornal da Noite haverá quem se pergunte qual o papel que nesse dia vai representar. A credibilidade é a fonte da legitimidade de um jornalista. Hipotecá-la assim parece leviano e sem sentido."
Por outro lado, o representante da instituição que representa não sei bem quem nem o quê atirou no Facebook, o páteo das cantigas do século XXI: "É oficial: já não há distinção entre jornalismo e entretenimento."
As teses acima descritas espalharam-se para a geral, que tratou de inflamar a questiúncula numa troca escaldante de vulgaridades digitais.
Portanto, se percebi bem a recomendação ética, um jornalista não pode armar-se em palhaço. Em princípio estou de acordo com tão profunda reflexão, mas este desasossego intelectual que me atormenta leva-me a olhar à volta... E anoto:
Um jornalista pode ter uma carreira construída a servir sociedades secretas em vez de servir leitores. Um jornalista pode esconder a sua preferência partidária e enganar quem o lê. Um jornalista pode omitir qual o clube do seu coração e simular isenção. Pode servir secretamente um candidato a primeiro-ministro e ir parar ao Governo. Pode escrever um milhão de notícias com base em fontes anónimas, não verificadas, destruir reputações e ainda ganhar prémios! Pode recusar corrigir publicamente os erros que comete. Pode, oh se pode, almoçar grátis com um pelotão de cobradores de almas.
Um jornalista pode noticiar política sem ter lido a Constituição. Pode ser de cultura e nunca ter lido Os Lusíadas. Pode ser de Justiça sem saber a diferença entre Código Penal e Código do Processo Penal. Pode ser de economia e incapaz de calcular uma taxa de juro.
Um jornalista pode, portanto, fazer da profissão uma palhaçada, não pode é parecer um palhaço.
Rodrigo Guedes de Carvalho não é pessoa das minhas relações pessoais ou profissionais. Vejo-o há uma vintena de anos na TV e acho que é jornalista "a sério". Mas a manada, a nossa querida comunidade elitista, não lhe perdoa uma má piada... Olhem-se ao espelho, por favor.
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