Portugal e Angola foram sacaneados

Os editoriais do Jornal de Angola a desancar Portugal são insuportáveis. A forma é gongórica, o tom arrogante, a visão distorcida, a sabujice evidente, a parolice risível. Aquilo lembra a escola do pós-guerra do Diário da Manhã, num exercício de jornalismo falsamente legitimado pelos interesses da Pátria e interpretado por uma moral política inspirada em Salazar. Isto quer dizer que Portugal se tem portado bem com Angola? Não.

Tenho hesitado em escrever aqui sobre este diferendo. No entanto, quando o ministro Rui Machete fez a estúpida figura de simular na rádio angolana um pedido de desculpas pelo desempenho da justiça portuguesa estive quase, mesmo quase, a alinhavar um comentário... Mas desisti. Desisti por muita coisa escondida nos bastidores do palco onde esta peça se desenrola me escapar e por, supostamente, capitais angolanos estarem a negociar a sua entrada no corpo acionista da empresa onde trabalho. Isto coloca--me, apesar do meu estatuto de mero empregado da Controlinveste, sob suspeita. Mesmo assim, hoje, ultrapassado o que considero ser o limite de um comportamento aceitável por parte do meu país, arrisco.

Arrisco dizer, contra o rebanho ideológico dominante, que Angola tem razão em achar que Portugal não é o estado ideal para celebrar uma parceria estratégica.

Um país parceiro de outro tem direito a fazer as investigações policiais que entender, desde que estejam no âmbito da sua jurisdição. Um parceiro digno desse nome tem mesmo o dever de repudiar abertamente, com franqueza e lealdade (e não fingir protestar em voz baixa, de espinha curvada e má consciência) qualquer tentativa de interferência, externa ou interna, feita ao percurso dessa investigação. Um parceiro digno desse nome deve, simplesmente, ignorar as críticas àquilo que é o normal funcionamento da sua instituição judicial. Portugal deveria ter confrontado Angola com a gritaria insensata de uma parte das suas elites. Não o fez...

Um parceiro confiável não faz caixinha. É inaceitável uma investigação ao procurador-geral de Angola ser encerrada no dia 18 de julho e o magistrado portugês responsável pelo caso entender que não tinha de notificar alguém disso. A notícia só se soube três meses depois, com vários incidentes diplomáticos espetaculares a acontecerem pelo meio perante a plácida, irresponsável e incompreensível indiferença dessa figura de topo do Ministério Público português.

Que conclusões podem tirar os angolanos disto? Que os portugueses têm tiques neocolonialistas? Talvez sim, talvez não. Mas têm, de certeza, bons motivos para acharem que, deste lado, são todos uns bons sacanas... E quem quer sacanas para parceiros?

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