Tens emprego? Primeiro tira aqui uma formação

Vamos lá dar dois mil e quinhentos caracteres de espaço ao País real: uma universitária conseguiu um trabalho na área da ação social. Salário? 600 euros mensais. Como conseguiu? Respondeu a um anúncio de uma autarquia que pedia candidatos abrangidos pela iniciativa "Impulso Jovem". Tudo bem? Não.

Aquele programa permite que o Estado devolva ao empregador, durante 18 meses, a taxa social única do posto de trabalho assim criado. Os candidatos, no entanto, só podem contar 18 a 30 anos de idade e têm de estar inscritos como desempregados há pelo menos seis meses.

Ao ver o anúncio, a mestre em psicologia dirigiu-se pela primeira vez na vida a um centro de emprego. Preencheu papéis, foi à entrevista na autarquia, saiu admitida. Feliz, regressou ao local de origem para finalizar o processo. Disseram-lhe: "Olhe que tem de frequentar primeiro um curso de formação de seis meses."

Ainda argumentou que faltavam só quatro semanas para iniciar o novo emprego, pelo que não podia concluir a formação. O funcionário, plácido, retorquiu que tal procedimento "era obrigatório" mas quando começasse a trabalhar poderia deixar as aulas.

Deram-lhe uma lista para escolher três cursos. Pensando que poderia, apesar de tudo, aproveitar a oportunidade, ignorou sugestões como informática ou técnica comercial optando por cursos de inglês, alemão e espanhol. Chamaram-na, afinal, para um curso de... surpresa... gestão de turismo rural. Nem figurava na lista!

Ela e umas dezenas de desempregados lá andam, sem entender como um dia poderão aplicar os ensinamentos dados por uma formadora confessadamente tão contrariada em lá estar quanto os formandos, voluntários à força. Mas a rábula cumpre-se, três vezes por semana, para manter o direito a receber subsídio de desemprego.

Tudo isto cheira mal: quem frequenta estas formações deixa de contar nas estatísticas do desemprego; as regras de candidatura ao "Impulso Jovem" são violadas por razões bizarras; as empresas que dão estas aulas sacam dinheiro ao Estado, ao contribuinte, em troca de um serviço de duvidosa utilidade; a escolha dos currículos dos cursos é determinada por critérios anedóticos; a organização dos processos é confusa e nem quero adivinhar aqui mais um caso de polícia ou de despesismo irresponsável, multiplicado em milhares de centros de emprego.

É um novelo burocrático enrolado por um Governo que, pateticamente, tenta inventar - como outros governos antes fizeram - uma realidade virtual. É, mais uma vez, Portugal no seu pior.

Crónica publicada no Diário de Notícias de 26 de Março de 2013

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