Cavaco une Portugal e dá posse a Jerónimo

Leia esta frase: "O meu país necessita de renegociar as condições do nosso ajustamento. Digo-o e repito-o. Renegociar as condições de ajustamento com metas e prazo reais."

Agora, leia esta: "O que vejo com preocupação é que FMI, a Comissão Europeia e o BCE só reagem, só corrigem o caminho depois de se tornar estupidamente óbvio que é preciso mudar de caminho."

Com paciência leia, também, esta: "O novo rumo e a nova política de que Portugal precisa têm de romper com a crescente submissão e subordinação externas."

E, finalmente, esta: "Portugal é um país democrático, é um Estado de Direito com uma ordem constitucional que tem de ser respeitada. E a exigência por esse respeito dá ao Governo possibilidade de exigir melhores condições no campo internacional."

Estas quatro afirmações, feitas em semana louca, sugerem uma mais do que óbvia linha de pensamento comum: os portugueses têm de impor limites à troika, ou, pelo menos, devem tentá-lo.

Relembro, agora, a nota de Cavaco Silva, divulgada após receber, sábado, o primeiro-ministro: "O Presidente da República reitera o entendimento de que o Governo dispõe de condições para cumprir o mandato democrático em que foi investido e manifestou o seu empenho em que sejam honrados os compromissos internacionais assumidos e em que sejam alcançados e preservados os consensos necessários à salvaguarda do superior interesse nacional."

O entendimento que o Presidente tem dos, cito, "consensos" que interessam à Pátria é oposto ao pensamento comum expresso pelas pessoas, autoras daquelas quatro frases, de raiz política e ideológica tão afastada como, respetivamente, António José Seguro (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP, reformador do IRC a pedido do Governo), Jerónimo de Sousa (PCP) e Catarina Martins (BE).

Os maiores inimigos políticos, mesmo os incapazes de se juntarem algum dia num Governo, unem-se circunstancialmente em palavras, no objetivo de forçar a Zona Euro a mudar de via. O consenso e interesse nacional está, assim e aparentemente, no campo oposto ao de Passos Coelho e ao desejado pelo Presidente...

Alguém imagina Cavaco Silva, fechado no seu Palácio, a ter noção disto? Ou, se tivesse essa consciência, a arriscar dar um passo que um dia o leve a dar posse a, sei lá... Jerónimo de Sousa como ministro da Economia de um governo de, realmente, consenso nacional?

O homem está longe desse, para ele, azar. Mas, como os tempos estão, na sua sisuda imobilidade, caminha na direção de ver um dia a História pregar-lhe essa partida.

in Diário de Notícias, 9 de Abril de 2013

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