Passos Coelho respeita a sua geração rasca

No dia 5 de maio de 1994 uns milhares de estudantes manifestam-se frente à Assembleia da República, em Lisboa, contra a realização de uma prova global no 10.º ano de escolaridade. Saltam insultos contra a ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, e contra o primeiro-ministro Cavaco Silva. Alguns estudantes equilibram-se nos ombros de outros, virados de costas para o Parlamento, apontados para as objetivas dos fotógrafos e para as câmaras das televisões: baixam as calças e mostram o rabo.

No dia seguinte o jornal Público coloca a fotografia do momento na capa e titula: "Geração rasca". Um editorial do diretor acusa os estudantes de transformarem a manifestação "num desfile de palavrões, cartazes e gestos obscenos, piadas de caserna ou trocadilhos no mais decrépito estilo das velhas 'repúblicas' coimbrãs" .

O Diário de Notícias titula na capa "Protesto Global" e guarda a foto de um traseiro ao léu para as páginas interiores. O diretor adjunto defende a atuação da PSP e acusa os estudantes de "se atirarem aos agentes e se ferirem ao 'chocar' com os bastões policiais".

Na reportagem assinala-se que, dentro do hemicíclo, o líder da JSD foi o único social-democrata a recusar apoiar a ministra, considerando que "as manifestações estudantis 'mostram que a negociação não passou pelos próprios estudantes'" e que ia " formalizar o pedido de suspensão das provas".

O líder da JSD da altura é o atual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. Ele provém, politicamente, da "geração rasca" e teve de ouvir uns senhores do regime, uns jornalistas respeitosos e uns comentadores amestrados dar-lhe lições sobre boa educação democrática.

Hoje, uns senhores da grande coligação do regime, uns jornalistas que exigem respeito e uns comentadores encartados dão lições aos que interrompem ministros para cantar a Grândola. Indignam-se pelo suposto atentado à liberde de expressão dos governantes... Como se alguma vez, neste país, tivesse faltado tempo de antena ao poder!

Noto que Pedro Passos Coelho não se queixou, o que é um sinal de respeito para com o seu passado. Noto também que muitos dos que se queixam deste Governo e da sua austeridade se horrorizam com tais protestos.

O problema é este: eles só não gostam de cortes nos salários e de aumentos de impostos se forem para eles (e até aplaudem, de pé, se forem apenas para quem trabalha no Estado). Eles apoiam greves se não incomodarem a sua vidinha e manifestações se não se souber em Bruxelas... Está certo. Houve, em tempos, quem chamasse a isto "consciência de classe".

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