Brinquem com o fogo, brinquem

Todos os dias temos notícias de empresas que procedem a despedimentos colectivos. Os números oficiais, do Eurostat, normalmente mais modestos do que os da vida real, apontam, na União Europeia, no final do ano, para um desemprego de 9,7% e, em Portugal, de 10,8%. Estamos a falar de, por baixo, qualquer coisa como 27 milhões de pessoas sem actividade profissional na Europa e muito mais de meio milhão no nosso país. É um exército gigantesco...
Não, não é um exército, ou seja, é muita gente, é um universo enorme de pessoas mas não estão organizadas, não têm um comandante que as guie, não enfrentam uma batalha colectiva que estejam dispostas a travar, não vislumbram um inimigo a vencer.
Porquê? Porque, apesar da situação grave por onde têm de passar, apesar de na vida pessoal a travessia do
deserto do desemprego significar, muitas vezes, a depressão, o isolamento, a ruptura familiar e, obviamente, implicar a perda de estatuto social, também é verdade que os subsídios estatais, os apoios da Segurança Social, os "biscates" e a economia paralela vão permitindo, a muitas destas pessoas, a manutenção (ou a ilusão de manutenção) de um tipo de vida aceitável. Apesar de desempregadas, algumas destas pessoas conseguem usufruir de bens de consumo em quantidade suficiente para não se sentirem excluídas do mundo. É por isso que não se revoltam e vão aceitando, placidamente, a humilhação.
Acontece que, para resolver os problemas financeiros dos estados europeus e baixar níveis de défice público, alguns governos europeus têm defendido a redução substancial dos apoios aos desempregados. Em Portugal, depois de um primeiro corte nos subsídios sociais, entram agora em vigor alterações que procuram forçar os desempregados a aceitar trabalhos mal-remunerados.
Simultaneamente, PS e PSD, agora em nome da "reanimação da economia", começaram a tentar convencer os eleitores de que é preciso "flexibilizar o mercado de trabalho", ou seja, facilitar ainda mais os despedimentos.
Se alguma coisa as crises do capitalismo dos séculos passados deveriam ter ensinado aos líderes do sistema é que há um limite, um equilíbrio que se perde, uma linha a partir da qual a degradação das condições de vida se transforma em violência: seja pela revolta, seja pelo aumento de criminosos, seja, em resposta, pelo crescimento insuportável da repressão estatal, até à ditadura. Estes senhores, tão ligeiros a aumentar o número de pessoas que irá encher as fileiras do exército adormecido de desempregados, estão a brincar com o fogo.

in Diário de Notícias, 29 de Junho de 2010




1 comentário:

  1. Julgo que a flexibilização do mercado de trabalho e a facilitação dos despedimentos terá algumas más consequências e alguns abuisos e más práticas MAS ajudará ao despedimento de empregados que nada contribuiem para a produtividade de uma empresa e à contratação de jovens para esses mesmos lugares. Sim, serão menos bem pagos mas estarão empregados e terão oportunidade de se revelarem mais valias e crescerem na empresa e no mercado. Julgo que tal medida trará tanto de bom como de mau, simplesmente teremos mais jovens empregados, e será isso uma coisa má?!

    ResponderEliminar