Bronca com Jorge Lima Barreto

Não é só nas televisões que acontecem broncas monumentais. Um dia, há uns 20 anos, mandaram-me entrevistar um génio da teoria musical, Jorge Lima Barreto, e um génio da sensibilidade musical, o guitarrista Vítor Rua. Juntos formam um duo que é, “apenas”, uma referência mundial da música de vanguarda: o Telectu. Com Jorge Lima Barreto não se pode ter uma conversa simples e desapaixonada. O fulano é uma inteligência superior e cultiva o estatuto de provocador profissional. Virou-se para o ignorante jornalista e fuzilou-o com uma conversa enciclopédica sobre música minimal repetitiva, música mimética, música concreta, música funcional, música totalmente improvisada, música electro-acústica, nova música, eu sei lá!... Sei que era género musical a mais para a minha pequena camioneta cultural. E ainda tive de levar uma formação acelerada em temas como “performance”, “instalação artística”, “rock de vanguarda”, “tecno-pop”, “concerto multimédia” e não sei já quantas outras expressões da gíria vanguardista dos anos 80... que banho! Às tantas, ao fim de duas horas de aula, aproveitei um momento em que Lima Barreto precisou, finalmente, de respirar, e fugi para conversar uns minutos com Vítor Rua que, acho, estava com pena de mim. Fiz-lhe umas perguntas sobre uma guitarra estranha que ele estava a experimentar, um aparelho electrónico já não me lembro se com 8 ou 10 cordas simples, sem caixa, apenas com braço, como se fosse um longo pau.

Quando fui para a redacção escrever só tinha uma preocupação: reproduzir fielmente e com rigor todo o jargão complicado de Lima Barreto, batalha vencida a golpes de dicionários especializados e incursões arrojadas no arquivo do jornal. No fim, para amenizar, lá pus um texto pequeno sobre o novo instrumento do Vítor Rua. No dia seguinte recebi um telefonema. Era Lima Barreto. “Então, gostou da entrevista?”, perguntei. Do lado de lá a voz ironizava: “Estava óptima, estava até muito bem mas, francamente, ter posto o Vítor Rua agarrado ao bife é que não me parece coisa razoável...” Fui ver e... nem queria acreditar. A tal guitarra tinha um nome bastante simples: era um “stick” que em inglês significa também pau, vara, bengala, bastão, etc. Mas o que é que o Tadeu escreveu, pelo menos uma dezena de vezes, no meio da sua baralhação de termos e conceitos complicados? Nada mais, nada menos que Vítor Rua tocava “steak”, ou seja, e realmente, bife... E ainda perorava sobre os extraordinários sons que saíam do tal “bife”. Que vergonha!

in 24horas, 22 de Abril de 2006

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