O que é o jornalismo? Que novas competências irão surgir na profissão? Que formação será mais indicada para um profissional desta área? Em busca das respostas a estas e outras questões, a revista N resolveu entrevistar diversos jornalistas, enquadrando as várias opiniões e posições relativamente à situação actual e futura, tendo em conta as diferentes formações e experiências profissionais.
O que é o jornalismo?
O jornalismo é uma profissão do improviso, do imprevisto, do sempre novo e diferente. Uma arte em constante renovação e mudança, que balança entre diversos estilos e técnicas muito próprias. Ser jornalista é ser um mediador do mundo, um intermediário entre o que acontece e o que é falado.
Segundo Jacinto Godinho, repórter da RTP e professor na Faculdade de Ciências Sócias e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL), “a missão do jornalista é pensar que há acontecimentos e tentar relatá-los com o máximo de rigor, isenção e utilidade para as pessoas.” Pedro Tadeu, director do 24 horas, considera que ser jornalista “é achar que se tem alguma coisa a dizer ao mundo”.
Do lado das opiniões femininas, Paula Sá, jornalista do Diário de Noticias (DN) e professora na FCSH, diz que “a essência do jornalismo é perseguir a verdade e a objectividade que é um paradigma, mas que continua a ser a base do fundamento do jornalismo.”
A revista N entrevistou também duas novas profissionais no ramo, numa tentativa de compreender as diferenças entre a opinião da “velha guarda” e das futuras gerações. Rebeca Venâncio, estagiária na SIC, considera que “ser jornalista é essencialmente querer saber mais sobre muita coisa”. Para Catarina Cruz, recém-licenciada na FCSH e a trabalhar, enquanto jornalista “à peça”, na secção on-line multimédia, do Jornal de Noticias (JN), ”é acima de tudo uma paixão. Pelo menos é assim que eu a sinto, é uma profissão 24 horas.”
Jacinto Godinho realça a importância de nunca se perder o olhar específico sobre o mundo, a forma de estar curiosa e atenta, sempre predisposta a novas aprendizagens: “Há jornalistas que são capazes de passar pela sociedade, pela política, pela cultura, sem nunca terem dado uma notícia, uma coisa verdadeiramente nova. Terem sentido o prazer de pesquisar e de terem andado à procura, da cacha, da notícia que pode abrir os telejornais ou vir nas primeiras páginas dos jornais.”
Qual a formação mais indicada para um profissional desta área?
Segundo o artigo 5º, do Estatuto do Jornalista, a lei apenas exige, como requisitos necessários à prática da profissão, a conclusão de um estágio, de 12 meses para os licenciados na área da comunicação ou equivalente, e de 18 meses para os restantes casos. Assim, cabe ao jornalista decidir qual o melhor trajecto a perseguir para a sua formação. Será mais benéfico possuir uma licenciatura ou começar, desde cedo, a trabalhar na área e adquirir a carteira profissional pelos anos de experiência?
“As duas coisas são muito importantes. Eu não tenho formação académica”, responde Pedro Tadeu. A sua carreira começou muito cedo, “a trabalhar nos jornais como moço de recados”. Foi nesse meio que conheceu jornalistas que viram o seu trabalho e encontraram talento. Na altura, essa pareceu-lhe a melhor opção e foi bem sucedido, pelas suas características pessoais e pela sua constante intervenção na sociedade: “Eu era muito activo civicamente. Quando entrei no mercado de trabalho, tive uma ascensão bastante rápida.” Contudo, na sua opinião, “hoje em dia, é um erro não se tentar a melhor formação possível, quer teórica, numa faculdade, quer prática, através de diversos cursos específicos numa área que se considere ter mais aptidão.”
Paula Sá e Jacinto Godinho são ambos formados em Ciências da Comunicação, no ramo de jornalismo, na faculdade onde leccionam actualmente. Segundo o jornalista da RTP, “a formação não determina um bom jornalista, mas vendo a um nível global é fundamental que exista um critério que de alguma forma vá uniformizando as características éticas e globais da profissão.” A posição da jornalista do DN é de que “as duas são complementares.A formação académica é muito importante, porque é a base de sedimentação. Mas a prática, obviamente que nos dará outro tipo de conhecimentos. Todos os dias nos confrontamos com situações diferentes que não podem ser cobertas pela experiência académica.”
Actualmente, o plano curricular dos cursos desta área está adaptado às necessidades de aprendizagem para o mercado de trabalho? Qual o conjunto de conhecimentos que se deve transmitir numa boa formação para o jornalismo? O ensino superior deverá ser, essencialmente, uma aprendizagem teórica e generalista ou deveria oferecer disciplinas técnicas e práticas de contextualização do aluno na profissão futura?
Um aspecto interessante na análise das respostas dos vários entrevistados a esta questão, foi a separação de posições e opiniões, bastante clara, entre as jovens recém-licenciadas e os jornalistas com uma carreira. Enquanto que, Catarina Cruz defende que “existe falta de cadeiras que te ensinem a trabalhar em diversas técnicas multimédia, como programas de edição de imagem, som, vídeo”, Jacinto Godinho considera que, “no âmbito da universidade, que é uma formação geral do indivíduo, da sua capacidade de pensar, da formação dos saberes, a técnica não é decisiva.”
O fundamental de uma formação nesta área é a máxima diversificação possível de conhecimentos. A tarefa de um curso universitário “é abrir os horizontes, para um dia se ser capaz de ter um olhar diferente, ao entrevistar um jogador de futebol e ao mesmo tempo um prémio Nobel”, defende o jornalista da RTP. Contudo, na sua opinião, seria benéfico incluir cadeiras técnicas de investigação. O problema, é que “em muitos casos, estas são apenas uma imitação pobre, com poucos meios, do que vai ser a profissão futura, o que acaba por ter um efeito negativo e tautológico”.
O novo conceito de jornalista, o que “faz um bocadinho de tudo”
Com o surgimento de todos os novos suportes, o jornalista necessita de dominar, cada vez mais, várias técnicas e de aprender a trabalhar com diversos instrumentos. Antes era exigido ao profissional deste ramo que soubesse escrever, entrevistar, expor os assuntos e editar texto. Actualmente isso não chega. Um novo talento nesta área deve saber complementar o seu trabalho com o domínio de técnicas de fotografia, de vídeo, de edição de imagem, de som, de composição e montagem, com a aprendizagem da nova linguagem virtual e de todas as particularidades subjacentes ao mundo on-line.
Qual a opinião dos jornalistas relativamente a esta transformação?
Existe actualmente a consciência de que as novas tecnologias exigem uma inevitável mudança na profissão, e de que as transformações serão incontornáveis. Embora o futuro seja ainda incerto e o caminho a percorrer desconhecido, os jornalistas encaram estas modificações como um processo natural de evolução, um desafio interessante que lhes é colocado. Outro aspecto onde se verificou uma convergência das várias opiniões foi relativamente aos benefícios e malefícios que estas alterações poderão trazer ao exercício da profissão.
Ainda que todos estejam de acordo quanto às fantásticas potencialidades das novas tecnologias, existe uma certa desconfiança acerca das consequências deste novo formato de jornalista, que “faz um bocadinho de tudo”. É dificíl ser-se excepcional e extraordinário em todas as áreas em simultâneo, cada profissional tem as suas aptidões num determinado ramo. Assim, na opinião de Pedro Tadeu, “o que acaba por acontecer é que o trabalho fica mais mecanizado e a parte criativa e pessoal é menorizada.” A peça jornalística perde a sua componente mais artística e passa a ser ”feita mais ao estilo de linha da produção de uma fábrica de automóveis”.
Outro receio que advém desta sobrecarga de tarefas delegadas ao jornalista, é a queda, ainda maior, do jornalismo de investigação, da grande reportagem de fundo e de reflexão, como confirmou Catarina Cruz: “Na secção on-line és obrigado a enfrentar assuntos muito díspares e fico com a sensação de que não há tempo para fazer um trabalho, uma pesquisa tão a fundo como gostaria.”
A jovem jornalista do JN defende a ideia de que o caminho do jornalismo on-line multimédia deve ser procurado através de uma união de esforços: “Sinto que seria necessário um maior trabalho de equipa entre as pessoas que dominam melhor as novas tecnologias e aquelas que têm bagagem e uma maior experiência de jornalismo.” Segundo Rebeca Venâncio, “na SIC, na secção on-line, existem pessoas bastante novas e outras dos seus 50 e tal anos. E funcionam, com base na inter ajuda.”
Qual o caminho a percorrer?
Jacinto Godinho e Catarina Cruz consideram que a resposta à necessidade do jornalismo diário está na aposta do jornalismo de investigação: “Acho que se deve apostar na grande reportagem a fundo, fazer voltar o jornalismo de investigação. Porque é aí que pode estar a novidade de um trabalho de imprensa actualmente.” É urgente a procura de novas abordagens, de novas visões dos mesmos assuntos, “pegar nos mesmos temas e ter a capacidade de mostrar as coisas de uma forma diferente. Mais dura. Sem o jornalismo de fantasmas, de caras escondidas”, defende o jornalista da RTP.
Nas palavras de Jacinto Godinho, o caminho a percorrer é o mesmo de todos os tempos. A recuperação do “jornalismo credível” e o enterro do “jornalismo de infotainment, o jornalismo feito para fazer luzir o olho”. É importante que se procure novos assuntos, realmente importantes, e se abandone a constante “visão demasiado maniqueísta e vitimizante da vida.”
“Um jornalista é alguém que procura histórias. Isto pode parecer uma verdade à La Palice, mas não é. Porque hoje em dia, mais de 90 por cento dos jornalistas são pessoas que não procuram histórias. Portanto aquela coisa que é básica e ancestral no jornalismo, dar notícias, na verdadeira acepção da palavra, é uma coisa que se faz muito pouco. Quase todo o jornalismo é um jornalismo de agenda ou um jornalismo de tratamento social”, termina o jornalista da RTP.
in Revista N, por Joana Júdice, em 19 de Janeiro de 2009
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