E se Carlos Alexandre bate à porta de Passos Coelho?

O entusiasmo da fação de opinadores felizes com o trabalho da justiça portuguesa na investigação à corrupção, branqueamento de capitais e fuga ao fisco de José Sócrates (um péssimo primeiro- ministro) seria igual se o juiz que elabora a instrução desse processo fosse bater à porta do atual primeiro- ministro (candidato a ser tão mau quanto o antecessor) com um mandado resultante da ligação de Passos Coelho à empresa Tecnoforma?
Muitos dos que põem hoje o juiz Carlos Alexandre nos píncaros da moral jurídica passariam rapidamente a diabolizá-lo como justiceiro irresponsável. As fugas de informação, as violações do segredo de justiça, o assassinato reputacional subsequentes seriam violentamente criticados, com razão, e não relativizados como agora acontece no caso de Sócrates. A infeção ideológica, o interesse pessoal ou o empenho partidário nas apreciações que vou lendo são demasiadas vezes óbvios e angustiantemente tristes, sobretudo por não serem claramente assumidos.
Passos Coelho, pelo menos três vezes, esteve em cima da linha, sem no entanto a ultrapassar, do limite da prudência politicamente correta, hipocritamente vazia e conscientemente generalizada dos políticos portugueses quando falam da prisão de José Sócrates (com a exceção, claro, de Mário Soares).
Na primeira manhã após a detenção do ex-primeiro-ministro, a 23 de novembro, Passos deixou escapar um “nem todos os políticos são iguais” referindo-se a outro assunto mas levando a comunicação social a associar a frase aos acontecimentos da noite anterior.
No dia seguinte o chefe do PSD afirmou várias vezes que o processo criminal a Sócrates não era para comentar politicamente “por agora”, como que a adiar para dia mais oportuno o fim do período de nojo.
Finalmente, na entrevista à RTP de 27 de novembro, o líder do governo relançou a ideia de legislar sobre a criminalização do enriquecimento ilícito que ninguém pode, nesta altura, deixar de associar à oportunidade política aberta pelos efeitos da prisão preventiva do “animal feroz”, que fontes anónimas da investigação garantem ter 20 ou 25 milhões de euros em contas bancárias.
Para quem está a ser acossado com o caso Tecnoforma como, antes, Sócrates foi acossado pelo Freeport ou pelo Face Oculta e, já agora, Paulo Portas em torno da questão da compra dos submarinos, a temeridade destas declarações é evidente. Porquê? Simplesmente porque há um problema de recato e lisura de processos no funcionamento da justiça portuguesa que, em vertigem louca, leva tudo à frente. Isto é tão grave para o país quanto é a corrupção na política e nos negócios.
in Diário de Notícias, 9 de dezembro de 2014

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