Uma parte da explicação para a descrença nos partidos do chamado arco do poder - nos quais, recorde-se, apenas 45% dos eleitores inscritos votam em legislativas - foi bem demonstrada no último fim de semana no Congresso do PSD: o que se passou naquele areópago teve pouco que ver com o comum dos mortais.
As mentes naquela sala estiveram ocupadas, no essencial, em saber como se iam distribuir os lugares disponíveis, desde o modesto assento no Conselho Nacional até à recompensadora candidatura ao Parlamento Europeu.
Graças a Marcelo Rebelo de Sousa, até esteve subliminada a discussão sobre quem poderia ali vir a ser, um dia, presidente da República.
Acha que estou a cometer uma injustiça? Pois olho para o que esteve fora disso, olho para a discussão das ideias, dos projetos políticos concretos que foram aprovados pelos militantes do PSD e só posso achar esta minha análise cristalinamente verdadeira.
No Coliseu dos Recreios os sociais-democratas aprovaram uma moção a exigir para outubro a subida do salário mínimo ao patamar dos 500 euros.
No Coliseu dos Recreios os militantes sociais-democratas aprovaram uma moção em que se determina a redução do IVA da restauração em junho ou julho.
No Coliseu dos Recreios os militantes sociais-democratas aprovaram a redução do número de deputados de 230 para 200.
No Coliseu dos Recreios os militantes sociais-democratas decretaram que o mandato do próximo presidente da República deve ser de sete anos, não renovável.
No Coliseu dos Recreios os militantes sociais-democratas, talvez inspirados pelo espanhol Rajoy, até acharam que a lei do aborto deve ser alterada.
E a profusão programática ainda se estendeu à regionalização (que deve avançar depressa), às autarquias (que precisam de apoios) e à educação (que deve ter mais dinheiro).
Que mal tem tudo aquilo? Há algo superiormente indesmentível a registar: todas aquelas votações, todas aquelas aprovações, todas aquelas propostas não serão aplicadas, não serão levadas a sério.
Talvez por o local ser "dos Recreios", o que se passou com todas aquelas moções, votadas frente ao primeiro-ministro que proclamou "será preciso que tenhamos de pedir à troika que nos diga onde cortar?", não foi mais do que uma brincadeira, um exercício de hipocrisia democrática.
O que foi a sério foram mesmo as escolhas de Miguel Relvas, de Paulo Rangel e de todos os outros que conquistaram os seus lugarzitos políticos, perante a habitual e sábia indiferença, cá fora, do povo.
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