Ficámos a saber que Paulo Portas é homem capaz de trair na sexta-feira a consciência pessoal que invocara na terça-feira para tomar a decisão "irrevogável" de sair do Governo.
Apreendemos as maravilhas de ser país do Eurogrupo com dívida de 72 mil milhões de euros ao FMI, à Comissão Europeia e ao BCE: só podemos ter um ministro das Finanças se aquela troika gostar, só podemos antecipar eleições se essa troika não se importar, só podemos mudar de governo se a dita troika nada objetar. E sem discussão!
Não sabemos, caso tenhamos eleições regulares em 2015, se os resultados terão, também, de ser previamente aprovados. Talvez não.
Ensinaram-nos mais: o Presidente da República só dá opinião sobre um novo acordo de coligação governamental depois de o senhor holandês Jeroen Dijsselbloem dizer que está "muito satisfeito" com o resultado e de o senhor alemão Wolfgang Schäuble ratificar "o bom caminho" retomado... Nem a Madeira nem os Açores, alguma vez, se sujeitaram a uma humilhação assim face ao Continente. E bem.
Fomos instruídos, portanto, num novo facto: Portugal é a caricatura de um Estado independente. Em vez de tentar encontrar um caminho para inverter o processo de aniquilação da sua autodeterminação, deixa-se comprar, aceita corromper-se para, daqui a um ano, poder endividar-se mais - no mercado ou num "programa cautelar", o novo resgate - com uns caridosos mas incomportáveis juros de cinco ou seis por cento, qual viciado numa toxicodependência de crédito para pagar crédito cujo fluxo o traficante, metódico, assegura com fria eficácia.
Depois de um jornal económico, na quarta-feira, manchetar "Empresários e banqueiros recusam eleições antecipadas", a turba de comentadores que na terça-feira reclamava "demissão, demissão!" passou, lesta e aditivada por gestores, analistas de ações e o governador do Banco de Portugal, a implorar "estabilidade, estabilidade!". E até o novo patriarca, putativo pastor de almas, foi atrás do rebanho apavorado pela bolsa, a cotação da dívida e a Standard & Poors.
O senhor que provocou esta crise falou alto, mas, depois, ouviu das boas dos amigos do partido, dos amigos da coligação, dos amigos da banca, dos amigos empresários, dos amigos europeus, do amigo Pedro. Respondeu baixinho: "Perdoem-me." Jura agora que vai fazer voz grossa à troika. Que anedota!
E os pensionistas, que viram em Portas um salvador, bem podem esperar pela reforma do Estado que este homem lhes vai entregar numa bandeja, de consciência tranquila.
Finalmente, uma última lição: a direita, para sobreviver, é capaz de tudo. A esquerda, em contrapartida, nem sabe como viver.
PS: Por lapso, escrevi, na semana passada, que Pedro Lomba fora jornalista. Claro que não. Pertence, isso sim, ao mundo dos jornais, mas como autor de artigos de opinião ou de análise, relevantes e bons. Peço desculpa.
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