O lugar na História de Cavaco Silva

Cavaco Silva tem um lugar de destaque na História ou, apenas, merecerá no futuro uma referência secundária?
No PSD, apesar de ter sido o seu líder com mais êxito político, pois foi o que assegurou ao partido o maior período de acesso ao poder executivo, nunca conseguiu ocupar o lugar dado pelo carisma, visão política, coragem e coerência ideológica de Francisco Sá Carneiro. Basta ouvir qualquer militante social-democrata, mesmo muito jovem - e não só os Pedros Santanas Lopes desta vida -, para perceber como essa decisiva influência perdura ao longo do tempo.
Como primeiro-ministro não é a sua actuação como governante que explica, nesse tempo, o inegável desenvolvimento económico de Portugal. Pelo contrário, muitas das suas opções são hoje postas em causa, a começar pelo próprio Cavaco Silva quando, por exemplo, critica agora a aposta no betão, o excesso de
auto-estradas ou as políticas que levaram à desertificação do interior, como se não tivesse sido ele próprio a defini-las, na sua essência, há 20 anos. O que fica desse tempo, o que explica o salto no nível de vida dos portugueses são as enormes quantidades de dinheiro entregues a Portugal pela CEE. O titular político desse facto, por causa do seu papel no processo da adesão, é, por sinal, o maior rival de Cavaco, Mário Soares.
Como Presidente da República será ainda cedo, dada a emergência de um segundo mandato, para tirar conclusões. Apenas temos um posição dura acerca da questão dos poderes presidenciais na autonomia dos Açores e uma conspiração na sua Casa Civil para colocar notícias desagradáveis ao Governo. Estes dois acontecimentos e algumas intervenções mais críticas às políticas de José Sócrates estão muito longe de lhe dar o que é preciso para ganhar um lugar relevante na História.
Na sexta-feira, morreu um português que, esse sim, tem destaque assegurado na História. José Saramago, comunista, de uma ideologia derrotada no tempo em que Cavaco celebrava as suas maiores vitórias, ganhou, contra todas as probabilidades culturais, políticas e ideológicas dos tempos que viveu, um Prémio Nobel da Literatura, coisa única no nosso país.
Cavaco Silva parece não gostar de José Saramago, não sei. Sei que, para além de obrigações minimalistas como Presidente da República, nada fez para homenagear o escritor, apesar do enorme impacto nacional e internacional que teve a sua morte. Como homem, Cavaco está no seu pleníssimo direito. Como Chefe do Estado, como sempre acontece às figuras menores, não percebeu ou não quis aceitar o seu lugar na História.

in Diário de Notícias, 22 de Junho de 2010





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