Outro facto da nossa personalidade é a de olharmos para o povo que aqui vive apontando-o, sem injustiça, como uma verdadeira desgraça da espécie humana. Contraditoriamente à nossa ânsia de estar no topo do mundo, autoclassificamo-nos como a fossa da Terra.
Um exemplo prático desta mansa esquizofrenia é a forma como falamos dos políticos. Enquanto andam por cá não passam, na opinião popular, de uns "trafulhas" que "querem é viver sem trabalhar" e "encher-se à conta do povo". E, no entanto, essas mesmas pessoas passam a ser respeitadas e admiradas logo que
conseguem conquistar um lugar de visibilidade numa qualquer insti- tuição estrangeira.
António Guterres fugiu do Governo para escapar ao que designou de "pântano". Foi insultado de tudo. Quando o nomearam alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, passaram a chover os elogios.
A Vítor Constâncio só faltou acusá-lo de cumplicidade em fraudes bancárias quando se sucederam os escândalos do BPP e BPN e se percebeu que o governador do Banco de Portugal não policiava o que devia policiar. Mas assim que foi eleito para vice-governador do Banco Central Europeu exalta-se a sua competência e saber técnico.
Finalmente temos Durão Barroso. Quando foi primeiro-ministro, talvez fosse o político mais odiado do País. Quando chegou a presidente da Comissão Europeia, o ódio esvaiu-se em respeito. Ele deixou de ser Durão e passou a ser Barroso - um influente do mundo que o mundo, como se lê na imprensa internacional, não respeita mas que os portugueses admiram.
E o que é que Portugal ganha com tudo isto? Lemos as notícias da crise do euro, temos o País ameaçado por agências de rating e pelos dirigentes dos países mais fortes da União Europeia, anunciam-se mais impostos, mais desemprego, menos investimento público, tudo receitas impostas de fora, como se não houvesse outra alternativa...
Portugal está a ser atacado e o que fazem em nosso favor os portugueses que tanto admiramos, como Durão Barroso, por estarem entre os poderosos do globo? Nada. Isto, noutros tempos, era traição. Agora é honrar o nome do País.
in "Diário de Notícias", 18 de Maio de 2010
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