O silêncio da ministra Ana Jorge

Os vários governos PS, PSD e CDS têm aplicado uma política de fragilização do Serviço Nacional de Saúde. Para isso, procederam a uma paulatina privatização de serviços, cujo rosto mais visível é o dos hospitais privados, razoáveis nas instalações e na hotelaria, mas frágeis em tudo o resto, a começar na gestão que acumula prejuízos e a acabar no que sai da rotina habitual da assistência médica básica ou quase básica.

Não é verdade?... É! E para o comprovar basta constatarmos que quando qualquer milionário tem um problema de saúde sério entra para internamento num dos grandes hospitais do Estado e não num desses edifícios de aço e vidro da família Melo ou da banca. Temos o exemplo recente de Horácio Roque, no velhinho Hospital de São José, de Lisboa.

Nos últimos anos, vivemos uma nova fase desta delapidação de um dos poucos serviços do Estado que nos fazem acreditar valer a pena pagar impostos: agora escorraçam-se médicos do serviço público. Isto tem afectado mais os chamados cuidados de saúde primários, os centros de saúde. Desde o início do ano passaram à reforma, a maioria antecipadamente, 600 médicos do serviço público. É quase certo que a maioria destes reformados trabalha ou vai trabalhar no privado e, pasme-se, face à falta de médicos a ministra Ana Jorge estuda a hipótese de recontratar esses reformados, que, assim, passariam a receber deste Estado, que se diz quase falido, não só a reforma mas também um novo salário.

A Organização Mundial de Saúde afirmou há dias que Portugal era o País da União Europeia com maiores desigualdades no acesso aos cuidados de saúde. Há 700 mil portugueses sem médico de família. A distribuição de médicos está distorcida: por cada médico nos centros de saúde existem 3,6 médicos nos hospitais. Faltam cerca de 20 mil enfermeiros e apesar disto mais de três mil enfermeiros estão desempregados. Prevê-se que, no ano de 2015, cerca de 80% dos médicos terão mais de 55 anos. Mesmo assim, as entradas nas faculdades de Medicina são limitadíssimas. E o Programa de Estabilidade e Crescimento anuncia que irão ser cortados, até 2013, 715 milhões de euros nos serviços de saúde.

Face a este panorama, a este desgoverno, quando a ministra da Saúde Ana Jorge vê os utentes do centro de saúde de Valença do Minho protestarem desde domingo pelo fecho do SAP, deve sentir grande dificuldade para argumentar em defesa da sua medida. Talvez por isso, até agora, pouco ou nada tenha dito.

in "Diário de Notícias", 30 de Março de 2010

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