A má consciência de Sousa Tavares

Sousa Tavares vive em contradição moral. Numa revista para homens acusa-me do pecado mortal da inveja. Os 10 ou 15 mil euros que uns poucos jornalistas ganham seriam o tormento da minha alma até porque, supõe-se, eu não receberei isso (será, camarada Miguel? Será verdade que a economia de mercado, que tanto elogia, lhe paga mais do que a mim? Tem a certeza? Será que sim? Será que não?... Que ansiedade, camarada Miguel!).
Depois de apontar o dedo - "vede, plebeus, vede que ali vai um invejoso!" -, Sousa Tavares cai em tentação. No Expresso indigna-se com os rendimentos de António Mexia: "Que pateta não conseguiria lucros a gerir uma empresa que funciona em monopólio, vendendo um bem essencial como a electricidade?",
escreve, irado. O mesmo critério de apreciação de carácter com que me mimoseia conclui, afinal, estar aquele pobre espírito roído de inveja por não ser ele "o pateta" que arrecadou 3,1 milhões de euros.
Sousa Tavares, no entanto, quanto mais peca, mais acusa. Atira-me à cara (já o tinha feito para um milhão de telespectadores) uma capa do tempo em que fui director do 24horas e denuncia uma hipotética campanha publicitária que se estaria a construir com ela.
Ao contrário deste moralista, que nunca vi pedir desculpas pelos erros que cometeu (perguntará ele, desafiador: "Erros? Quais erros?!"), eu fi-lo, na altura devida, há ano e meio, em editorial assinado no jornal que dirigia, penalizando--me pela estupidez que, é verdade, se cometeu. Mas isso não satisfaz um paladino da ética em causa própria, que só se cala quando os que aponta como ímpios ardem na fogueira… Quer que lhe ofereça um archote, é?
Sousa Tavares é amigo do poder e vai lá tomar chá, ouvir confidências e dizer "umas verdades". Ainda há duas semanas revelava uma conversa privada com Durão Barroso e noticiava a ida a um almoço no Alfeite onde disse estar contra o negócio dos submarinos. "Foi quando eu percebi que já não havia nada a fazer", confessa. Desiludido? Não! Ele, em fundo, proclama: "Vede, plebeus, vede como eu sou influente!", sem ouvir como o poder se ri dos idiotas úteis.
Sousa Tavares só pode ter a consciência pesada. E defende-se contra aquilo que, de facto, o preocupa num artigo meu: que as declarações de impostos, de particulares e de empresas, venham um dia a ser públicas. Disso é que o moralista, o inquisidor, o santinho, o infalível, o iluminado, o atormentado, o pecador, o egocêntrico - em suma, o padreca sem fé do século XXI - tem medo.

in "Diário de Notícias", 13 de Abril de 2010





Sem comentários:

Enviar um comentário