Os investimentos de Isabel dos Santos

Isabel dos Santos, a empresária angolana que deixa as mentes colonialistas portuguesas em sobressalto por comprar posições importantes em empresas cá do burgo, acaba de gastar mais de 74 milhões de euros para adquirir 4,53% da Zon. Alguma coisa contra? Não. E no entanto…

… E no entanto vi um documentário intitulado "Mãe Fátima", da realizadora alemã, radicada em Portugal, Cristhine Reeh. Foi filmado o ano passado e mostra a aventura de uma enfermeira, de 70 anos, que volta a Angola para participar numa acção dos Médicos do Mundo.

A missão da enfermeira angolana é esta: recuperar o trabalho de um hospital e de um centro de saúde, situados na região da cidade de Menongue, no Sul do país, local que foi particularmente massacrado pela guerra. O centro de saúde, de resto, é vizinho de um cemitério ferrugento de tanques de guerra, serena, lenta e milimetricamente engolido por uma onda de mato.

O que Fátima encontra é terrível. Não há água corrente. O lixo, as moscas, os micróbios e as infecções entram livremente pela respiração dos doentes. Os edifícios, carcomidos, sem vidros nas janelas, parecem não ser capazes de resistir à próxima trovoada. As ligaduras são um bem raro. Uma tesoura é um objecto precioso.

Fazem-se cirurgias sem oxigénio, que não há. Pessoas entram e saem livremente do bloco operatório, como se fosse sala comum. Um enfermeiro, desenrascado, improvisa umas talas numa perna partida, antes de ver os resultados de uma obrigatória radiografia, que ninguém fez. Vacinas para o tétano até existem, mas não estão no hospital porque o serviço que as armazena, no quarteirão ao lado, não recebeu a burocrática requisição.

A doença da moda é o coma alcoólico. Alguns não falam português. Há pelos menos três dialectos locais. Médicos angolanos, disponíveis, são dois. O pessoal de saúde está a ficar derrotado, entregue à lassidão da impotência. Cresce o absentismo. E o que há mais são médicos da... Coreia do Norte!

Um doente de malária, que ostentava no peito convulsivo, estampada na T-shirt, uma fotografia do Presidente José Eduardo dos Santos, o pai da empresária que investe em Portugal, morreu. Porquê? Porque os remédios, receitados há dias, não chegaram a tempo.

No telhado deste hospital podre espeta-se uma antena parabólica. Talvez capte a Zon… Se eu tenho alguma coisa contra os investimentos de Isabel dos Santos em Portugal? Não, não tenho. A sério que não. Mas, também é verdade, não vivo em Menongue.



in Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 2010

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