Companheiros de Alberto João Jardim

Os jornalistas portugueses conquistaram alguma liberdade de acção nas últimas décadas. Não sei se conquistaram uma verdadeira liberdade de imprensa. Talvez sim, talvez não... Sei é que cada centímetro perdido neste terreno dificilmente voltará a ser recuperado.

Portugal precisa de contraditório público ao poder (ou poderes) mesmo que tenha por detrás o trabalho subterrâneo de outro poder (ou de outros poderes) como, já ouvi insinuar, teria acontecido na chamada "perseguição a Sócrates" levada a cabo pela TVI e/ou pelo semanário Sol.

Impedir a flutuação pela opinião pública de notícias que põem em xeque os poderosos, desde que estejam ancoradas num rochedo de verdade (e mesmo que essa rocha tenha sedimentos de traficância, engano, ilusão, promiscuidade e sacanice), significa abrir mais caminho para o abuso do poder; significa menor capacidade de fiscalização e controlo desse mesmo poder; significa permitir a perpetuação de tiranetes abençoados pelo voto.

A informação livre é como uma vacina: utiliza toxinas, bactérias e vírus para combater uma doença. Pode não ser um processo bonito, pode até ser um pouco perigoso, mas funciona e não há substituto mais seguro.

Portanto, ainda bem que ficámos a saber que um grupo de idiotas do PS montou uma infame operação de eliminação de Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz do comando da TVI. Um facto incontestável.

Contestável é a turba de políticos, comentadores profissionais e jornalistas repetir horas e horas a fio, numa chinfrineira acéfala, acrítica, ignorante e insensata, opiniões e conclusões incrivelmente assombrosas.

Pelo que vi na TV, o País - sim, é Portugal inteiro, pois o tom desta gente não admite contestação - pensa que há censura prévia em Portugal. O País acha mesmo que o golpe dos mentecaptos, para além da TVI, abarcava a Impresa, a Cofina e esta casa onde trabalho, a Controlinveste. O País, depois de ler o Sol de sexta-feira, ficou cheio de certezas, eliminou todas as dúvidas sobre os tentáculos do "polvo". O País ignora que, no seu tempo, Mário Soares interferiu na imprensa. E Cavaco Silva. E Guterres. E Durão. E Santana...

O País que me desculpe, mas quando vejo Alberto João Jardim, putativo tirano do Funchal, surgir na linha da frente dos defensores da liberdade de imprensa, barricado ao lado de Pacheco Pereira, um batalhão dogmático de jornalistas em ajuste de contas e um contingente de comentadores oficiais do regime, sou obrigado a concluir que o País está estúpido.

in "Diário de Notícias", 16 de Fevereiro de 2010

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