A queda na valeta da fama

Todas as crianças querem ser artistas famosas. E o problema maior é que os paizinhos também querem que as suas crianças sejam artistas famosas. Nas classes sociais remediadas – sem meios para dar formação artística a sério aos seus rebentos, mas onde se anseia e alimenta uma congénita ilusão acerca deste assunto – isso justifica o elevado número de inscrições de raparigas fisicamente desproporcionadas em fictícias escolas de dança jazz e hip-hop ou o extraordinário número da rapazes de ouvido duro que dedicam duas horas por semana do seu tempo a martelar um piano numa escola de música de vão de escada. Em 90 por cento dos casos essas miúdas e esses miúdos, ao fim de três meses, estão a pedir para sair dali, naquela que será a primeira de muitas desistências que farão na vida. Mas, muito francamente, as consequências negativas de tudo isto são diminutas e, na verdade, eles até ficam a ganhar alguma coisa com a experiência.

A indústria da televisão, ou melhor, a indústria das novelas e séries que a TVI e a NBP construíram em Portugal, mais os “Ídolos” e quejandos, vieram abrir uma variante a este panorama. É a geração de jovens – por ano são muitos milhares – que se atira à sorte de um casting. Os que acabam por entrar – às dezenas por ano – chegam verdinhos a um demolidor mundo profissional para o qual nada os preparou. E, ao contrário da fantasia das meninas e meninos das escolas de dança e música, aqui não há recuo, ninguém – pais, produtores, managers, agências – aceitará que eles desistam, a não ser quando a pórpria indústria decide desistir deles, mandando-os para uma espécie de valeta da fama. O problema está em que, depois, ninguém vai lá tirá-los da fossa.

in 24horas, 3 de Junho de 2006

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