Os pivôs de telejornal são deuses?

Aquilo que geralmente se pede a um apresentador de telejornal é uma impossibilidade física: por um lado, de modo a garantir a credibilidade da sua estação, tem de manter uma atitude fria e distante em relação aos palpitantes acontecimentos que relata; por outro lado, exigem-lhe, para assegurar audiências, que encante e cative o telespectador. É coisa para um deus. A excepção que conheço foi a de Manuela Moura Guedes, que se estava nas tintas para o papel de deusa mas acabou por se transformar numa espécie de terror justiceiro para os alvos das notícias que apresentava. Tiraram-na do ar.

O jornalista de imprensa, como eu, está muito mais protegido. No secretismo da minha redacção, eu posso, se me apetecer, soltar um palavrão indignado perante uma medida errada do Governo, rir a rolar no chão com um “número” do José Castelo Branco ou chorar comovido ao saber de um assassinato de uma criança pela própria mãe. Depois, mais calmo, com as emoções já controladas, lá penso como vou transmitir a notícia aos leitores do 24horas...

Eu gosto dos principais e mais solicitados pivôs portugueses. Mas atenção: conheço meia dúzia deles pessoalmente e, para dizer a verdade, já apanhei tremendas desilusões. Porquê? Ao desempenharem tão bem a sua profissão, ao conseguirem de forma tão natural aquela irrealizável mistura de frieza distante e cumplicidade cativante, atingem, mesmo aos meus olhos cínicos, o estatuto de verdadeiros deuses. O problema é quando lhes apertamos a mão e falamos com eles de futebol, política, cinema, livros, qualquer coisa terrena: descobrimos que, afinal, eles são mesmo humanos e, caramba, o trambolhão do céu à terra é mesmo muito grande.

in 24horas, 6 de Maio de 2006

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