O drama da falta de originalidade

Até há uns anos atrás odiava parecer banal. Estava mesmo convencido que se não misturasse sabiamente um certo ar de superioridade intelectual com uma dose apropriada de indiferença pelo mundo terreno corria o risco de passar por estúpido. Portanto, estúpida e banalmente, andava na vida a fingir uma originalidade bizarra, tal como todos os milhares de aspirantes a intelectuais que me rodeavam. O mais patético era a voz afectada e grave com que me dirigia ao mundo, uma distorção que só não arrasou de vez as minhas cordas vocais graças a toneladas de comprimidos Bradoral. Doía mas eu não desistia!

Uma manhã tive a sorte de estar no Louvre. Passei duas horas e meia numa fila até conseguir entrar e, claro, quando saí, no fim da tarde, ficou um mundo por ver. Não me modifiquei por causa disso, mantive-me o imbecil do costume e até tive a grandessíssima lata de comentar na roda de amigos ser o Louvre, em muitos aspectos, “uma desilusão” . Ser-se novo e arrogante é mesmo um perigo!

Mas, agora que sou um bocado velho e já não me importo com o que os outros pensam de mim, posso confessar que foi no Louvre que tive uma das maiores emoções estéticas de toda a minha vida. Foi no Louvre que percebi que uma obra-prima da arte visual se reconhece ao primeiro olhar, ao primeiro impacto, sem apelo nem agravo, sem que a procuremos: ela chama-nos, de longe e, simplesmente, não resistimos, embrenhamo-nos e, depois, deixamos cair uma lagrimita.

Mas como poderia eu confessar, palhaço diletante, ter sentido tudo isso no meio de uma overdose da história da pintura ocidental, cheia de frescos geniais, apenas por ter reparado num quadrito tão vulgar, tão trivial, tão pouco original como... a “Gioconda” de Da Vinci. Isto de ser-se humano é uma grande fatalidade!


in 24horas, 8 de Abril de 2006

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