Branquinho como a cal

Eu lido muito mal com as mentiras. O problema começa logo na pele branca que a natureza me deu. Esta tez pálida e um pouco adoentada com que me apresento ao mundo impossibilita qualquer veleidade de conseguir concretizar uma peta com êxito: a aceleração sanguínea, impossível de evitar, faz com que inevitavelmente eu core como um pimentão e pumba, fico logo denunciado. Mesmo as mentiras piedosas que todos nós, legitima e sensatamente, de vez em quando aplicamos, saem da minha voz e da minha expressão facial totalmente pífias.

Por exemplo, se uma amiga me pergunta a opinião acerca de um novo penteado eu respondo, clara e invariavelmente, mesmo sem pensar nem ver muito bem o aspecto da trunfa: “Está sensacional!”. Eu bem tento dar uma entoação convincente a esta diplomática exclamação aprovadora. Mas, infelizmente, quando reparo a seguir na experiência capilar, nove em cada 10 vezes (até porque detesto mudanças na cara das pessoas) lá me sobe o sangue às faces e a mentira fica denunciada. Um embaraço.

E se um amigo me apresenta uma nova namorada e depois, à socapa, pede a aprovação com um piscar de olho e um cúmplice “Então? Que é que dizes da Sandra?”, eu bem respondo ser a moça uma simpatia, ainda por cima giríssima, mas ele sai dali convencido que anda com um estafermo imbecil ou que está a cometer um dos sete pecados mortais e, por isso, vai ser condenado à eternidade no Inferno.

Por isso é que quando tomei posse como director do 24horas, decretei que nem no dia 1 de Abril este jornal e esta revista publicariam mentiras: é que nem a brincar, nesta matéria, eu tenho hipótese de me sair bem. Não acreditam? Olhem que eu escrevi isto tudo e, vi agora ali no espelho, mantenho-me branquinho como a cal...

in 24horas, 1 de Abril de 2006

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