Como deixei de ser incomodado

Como não sou um tipo famoso nunca fui assediado por fãs. Mas é verdade que ao longo desta minha vidinha de jornalista recebi, de vez em quando, cartas ameaçadoras ou telefonemas incómodos. Os mais aborrecidos e insistentes ocorreram há cerca de três anos, quando o noticiário sobre o processo Casa Pia reflectia a recente prisão de Carlos Cruz: inúmeros SMS e até algumas chamadas de voz para o meu telemóvel informaram-me que havia alguém que achava que eu estava feito com os pedófilos, que eu tinha sido comprado pelos pedófilos, que eu próprio era pedófilo, que um dia esse alguém trataria, de forma sexual e violenta, de me mostrar o castigo que um pedófilo merece e, finalmente, que todos os que trabalhavam no 24horas eram (adivinhem lá...) pedófilos. Era um bocado chato e muita pedofilia para um telemóvel só.

Mas foi muito fácil resolver o problema. Não mudei de número nem dei o aparelho à minha secretária para ela passar a atender as chamadas: simplesmente desliguei-o. Ao fim de uns dias desistiram. Agora só o ligo quando preciso de fazer chamadas ou em alturas, raras, onde quem me interessa não me pode contactar de outra maneira.

Devo dizer que sou obrigado a agradecer aos senhores que tanto me insultaram, pois assim proporcionaram-me uma alteração de hábitos que melhorou substancialmente a qualidade da minha vida: todos os que me rodeiam já sabem que, no telemóvel, raramente me apanham e, por isso, a quantidade de vezes que me chateiam por razões tolas é mínima. Foi uma espécie de libertação de um escravo: agora quase só tenho conversas realmente úteis. Adeus stresse de jornalista, adeus boatos e tricas, adeus “não publique essa notícia!”, adeus choque tecnológico. Conclusão? O problema nestas sociedades da comunicação é mesmo o “blá blá” a mais.

in 24horas, 20 de Maio de 2006

Sem comentários:

Enviar um comentário