Os primeiros sons da minha filha

O dia em que me apercebi que a minha filha estava viva foi quando o médico pôs um aparelho na barriga da minha mulher para ouvirmos bater o coração do bebé. Era um barulho furioso, à velocidade única de quem corre (e nunca mais chega) à procura de ver a luz do sol, de respirar o ar, de beber água, de saborear comida, de sentir um beijo, de experimentar um colo. Tirando o dia do nascimento da Joana – o único da minha vida em que, juro, voei –, foi a maior emoção de todos estes 16 anos de experiência da paternidade, muito maior, por exemplo, do que a visualização da primeira ecografia, frustrante, pois durante largos minutos descodifiquei apenas borrões e borrões e borrões... 

Memorizei aquela batucada cardíaca para o resto da vida: é um dos sons mais impressionantes do universo. E desde esse dia sinto uma inveja apaixonada de todas as mulheres: esta capacidade de levar na barriga um ser vivo, de ajudá-lo a crescer, escondido e devagarinho, ao longo de nove meses, dá-lhes um poder de deusas e atribuilhes um mistério impossível de desvendar. Eu sei lá o que é essa coisa animal de ter um filho na barriga! Eu sei lá o que é isso de pô-lo cá fora! Eu sei lá, no fundo, o que é realmente a vida! E, mais angustiante ainda, por muitas vezes que faça filhos, por muitas conversas que tenha com mães, por muitos livros que leia, nunca terei hipótese de o saber! Nós, os homens, somos uns seres incompletos. 

Sou incapaz de passar por uma mulher grávida, qualquer uma, sem olhar directamente para aquelas barrigas majestosas, sem me enternecer um pouco, sem voltar a sentir o prazer de ouvir, na minha cabeça, os primeiros sons da minha filha. Bárbara Norton de Matos, linda como quase todas as grávidas, está na capa desta revista a recordar-me tudo. Obrigado. 
in 24horas, 18 de Março de 2006

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