Nem todas as pessoas estão emocionalmente preparadas para fazer coisas como esta: ir, semana a semana, como voluntário, ajudar crianças que sofrem de cancro. É preciso uma fibra especial.
Uma pessoa que eu conheço passou, há uns anos, por essa experiência. Com o tempo, aquilo que era feito com generosidade a favor dos outros passou, gradualmente, a um egoísmo dos outros contra si própria: um denso medo de desiludir mandava mais que o básico instinto de sobrevivência. Foi devastador e ia arruinando a sua personalidade: a sucessão de mortes e de dor transformou-se num calvário permanente, à beira do insuportável, no limiar, desconfio, da tentação da própria morte. Teve de parar e demorou muito tempo a recuperar da desilusão de si própria que esta falência dos sentimentos lhe provocou...
Eu, que me considero um “tipo duro”, que tenho uma profissão que me obriga a ser “duro”, que treinei ao longo dos anos essa “dureza”, nunca tive a oportunidade nem, sobretudo, a vontade de me colocar na situação daquela pessoa. E, francamente, desconfio que não aguentaria. Tenho medo.
Felizmente há gente que enfrenta este tipo de relacionamento com doentes terminais – mesmo crianças – com uma solidez que nos reconforta. E mais admiráveis são quando, sendo famosos, o fazem fugindo à publicidade fácil que isso lhes podia proporcionar. Merecem, como seres humanos, toda a nossa admiração. Eu, daqui, quero agradecer-lhes por fazerem, por mim, aquilo que eu não sou capaz de fazer pelos outros.
in 24horas, 3 de Setembro de 2005
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