Como se foge da advocacia

Tinha eu uns 14 anos quando a minha mãe, preocupada, decidiu mandar-me fazer aquilo que na altura chamávamos de “psicoteste”. A finalidade era perceber se, afinal, eu era estúpido que nem um calhau ou se ainda havia esperança e existia alguma faísca dentro deste obscuro cérebro que iluminasse o meu futuro profissional.

Após dois dias de preenchimento de testes de cruzinhas e de respostas a coisas tão idiotas como “Quem escreveu os ‘Lusíadas’ não foi Luís de Camões mas sim outro poeta com o mesmo nome. Quem escreveu os ‘Lusíadas’?”, chegaram à conclusão que eu era capaz de apertar os atacadores dos sapatos sem entalar os dedos. “Portanto”, disse-me uma senhora gorda com óculos na ponta do nariz e um diploma emoldurado na parede do gabinete, “você vai ser advogado”. Inscrevi-me num curso de electrotecnia para ser engenheiro, chumbei, e acabei um pobre e modesto jornalista.

O que tornou impossível a minha adesão à advocacia foi a prosápia. Eles falam, falam, horas e horas e, de facto, não dizem nada. Pronunciam frases gongóricas com ar sério, representam tragédias gregas num palco onde se decide o destino dos coitados, dramatizam intensamente argumentos de vida e de morte para, assim que o espectáculo acaba, se comportarem como se tivessem acabado de discutir o futebol do fim-de-semana num grupo de amigos. É uma esquizofrenia que eu não aguentaria. Por outro lado, confesso, não me estava a ver vestido de toga. Fui um pateta? Sim. Mas ser pateta é coisa que não me tira o sono.


in 24horas, 8 de Outubro de 2005

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