Como atingir a felicidade pessoal

Fui um privilegiado na infância e sempre tive um montão de brinquedos. A abastança era tal que me dava ao luxo de dar bolas, carrinhos e bonecos aos meus amigos, para embaraço da minha mãe, aflita quando as mães dos outros meninos apareciam lá em casa a devolver as coisas. Mas os brinquedos que realmente definiram a minha vida foram construídos por mim.

O primeiro foi o “Pequeno Jornal”, do qual saíram umas cinco ou seis edições, feitas nas férias grandes. Manuscrito, com capa em cartolina, lembro como peças gloriosas a entrevista ao senhor Pedra, um vizinho praticamente meu avô e dono de uma loja de hortícolas, e uma reportagem sobre o trabalho dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, graças à ajuda do senhor Zé, vizinho de cima e membro da dita corporação que, por acaso, é vizinha aqui do 24horas. O jornal só tinha um exemplar que, em vez de vendido, era alugado aos leitores por dez tostões. Fartei-me de comprar rebuçados à conta deste brilhante negócio. 

O outro brinquedo da minha vida foi a simulação de uma mesa de mistura de som. Construída com base numa fotografia que ilustrava um artigo de enciclopédia sobre radiodifusão, fi-la unindo caixas de Nestum umas às outras, cobrindo as, para simular os botões, com peões de plástico de vários jogos de salão. A cada peão correspondia uma função: mais e menos volume de som, mais e menos graves, mais e menos agudos, etc. O brilhante da coisa é que, já adulto, trabalhei de facto em rádio e lidei com mesas de mistura reais praticamente iguais à que concebi para brincar. Ainda hoje tenho o ego cheio à conta de tanta esperteza. 

Sim, acabei por ser jornalista e acredito que os brinquedos da minha vida tiveram muito a ver com isso. E graças a eles tenho uma certeza: um caminho para a felicidade pessoal é poder ter um trabalho que é, também, o brinquedo da nossa vida. 

in 24horas, 12 de Novembro de 2005

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