As 10 músicas da minha vida

Espero nunca ter de responder a um inquérito como aquele que o 24horas fez aos candidatos às câmaras do Porto e Lisboa: “quais são as suas 10 músicas preferidas?”. Acho que a resposta, se for sincera – e presumo que quem respondeu tenha sido inteiramente sincero –, revela mais sobre a pessoa que a dá do que se ela confessasse as suas 10 fantasias sexuais que estão por concretizar. Caso eu vivesse em Lisboa ou no Porto decidiria o meu voto ao ler o artigo que saiu das respostas dos candidatos. 

Como trabalhei uma série de anos em rádio, escrevi em jornais sobre música e espectáculos e sempre gastei dinheiro a comprar discos, até reuni uma discoteca jeitosa. Em algumas áreas da música popular acho-me um perito. E toco 32 acordes de guitarra. Tenho, portanto, pretensões na matéria. 

Mas nomear 10 músicas de uma vida é um grande sarilho. Para não me acharem um ignorante, teria de incluir um tema de música clássica. Para não desconfiarem que tal erudição é forçada, teria de mostrar que conheço um álbum de jazz fora dos standards do género. Para não me acharem um traidor à pátria, teria de indicar uma canção portuguesa. Para não me apontarem a velhice, teria de inventar que gosto de uma vedeta pop actual. Para mostrar abertura de espírito teria de indicar um tema de música totalmente improvisada. Para mostrar que sou um homem do mundo, escolheria uma sonoridade africana... Conclusão: a discoteca assim obtida até seria honesta e corresponderia a discos que passaram com alguma notoriedade pela minha vida. Mas era também uma grande chatice, o que, posso garantir, a minha vida não foi. 
in 24horas, 24 de Setembro de 2005

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