O enorme problema de ser gigante

O Jorge, aos 16 anos, media 1 metro e 96 e era um óptimo desportista. Jogava basquete e, por influência do pai que foi um campeão no Sporting, ténis de mesa. Ninguém gozava muito com a altura do Jorge, porque se lhe passava pela cabeça aviar duas bolachas na cara de alguém, com as suas enormes mas ligeiras manápulas, o caso dava direito a ida ao hospital. Mas o Jorge era uma jóia de tipo e nunca me lembro de o ver usar o corpo para ameaçar alguém. Ficámos tão amigos que um dia, apesar da minha notória falta de aptidão, ele convenceu-me a ir com ele para o basquete, no Clube Nacional de Natação, onde fiz uma carreira vergonhosa e anedótica.


Certa noite, após um treino que correra mal e nos valera um valente puxão de orelhas do treinador, íamos os dois irritadíssimos por um estreito passeio de uma viela do bairro da Ajuda. Vagarosamente, entre insultos ao homem que nos humilhara frente ao resto da equipa e a admissão das azelhices que tínhamos feito, discutíamos algo grave e sério: valia ou não valia a pena continuarmos no basquete?


Uma velhota vestida de negro, cabelo branco, carrapito, um respeitável bigode e metro e meio de altura seguia atrás de nós e tentava, de vez em quando, ultrapassar-nos: “Com licença! Com licença!”, apelava, repetidamente. O Jorge, distraído lá nas alturas, vira-se, de repente, para trás e atira: “Ó minha senhora, passe por cima!”. Ela, frágil e com o olhar ao nível do joelho dele, levanta o narizito, devagar, até encostar completamente a nuca às costas. Fixa-o e pergunta: “Como!?”. O Jorge cora, pára de caminhar, afasta-se e deixa-a passar. “Sabes”, disse, pouco depois, para mim, “o melhor é continuar no basquete, que lá ao menos não tenho vertigens a falar com pessoas”.
in 24horas, 7 de Maio de 2005

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