Certamente o caro leitor já reparou que eu sou dos antigos e escrevo “barbeiro”. Sim, acho essa moda dos “cabeleireiros de homens” uma tendência efeminada. E os “unissexo” apavoram-me. Para mim cortar o cabelo significa entrar num salão verde com cadeiras rijas, tesouras cantantes, navalhas assassinas, pincéis grossos amarelados, caras cheias de espuma, after shave Pitralon, fumo de tabaco, ventoinhas no tecto, cabelos mortos no chão, esquentadores que não funcionam, lavatórios rachados, uma dezena de homens a conversar sobre bola e uma falsa loura de meia idade a limar as unhas dos vaidosos endinheirados.
Tudo isto já não há, mas é assim que na minha cabeça tudo continua a ser: não consigo ultrapassar o imaginário que me ficou, de miúdo, quando o meu pai me levava a cortar o cabelo “à Nova Iorque”, fosse lá o que ele queria dizer com isso. Sei que me sentavam, atavam-me com força uma toalha enorme em volta do pescoço e proibiam-me de mexer a cabeça ou, então, estraçalhavam-me as orelhas.
Portanto, hoje, apesar de os estofos serem de cabedal, de o ambiente estar climatizado, de o champô chamar-se Pantene e de as louras terem 20 anos, continuo a ir ao barbeiro “cortar o cabelo à Nova Iorque”, cheio de medo que me firam as orelhas. Lá fico, quietito durante meia hora, à espera que o suplício acabe. Pago e durante todo o dia passo a mão pela cabeça a tentar encobrir o crime cometido pelas tesouras e navalhas endiabradas do carrasco do coiffeur. Conclusão: é para mim totalmente irrealizável fazer do meu barbeiro um confidente ou veículo da minha coscuvilhice – como seria isso possível quando são as minhas orelhas que correm o risco de ficar a arder?
in 24horas, 7 de Janeiro de 2006
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