A decisão judicial surge depois de a Polícia Judiciária ter efectuado buscas nas instalações do "24 Horas", em Lisboa, durante cerca de duas horas, e apreendido o computador de Joaquim Eduardo Oliveira. O jornalista e um técnico informático do jornal acompanharam os investigadores até às instalações da Judiciária, onde será feita uma cópia do disco rígido do computador, que ficará selada e à guarda de um juiz.
Uma juíza, um procurador do Ministério Público e quatro inspectores da Polícia Judiciária apreenderam hoje, numa busca domiciliária, o equipamento informático do jornalista "free-lance" Jorge Van Krieken.
Os dois jornalistas são os autores da notícia que originou a instauração de um inquérito pela Procuradoria-Geral da República ao caso dos registos telefónicos de várias figuras de Estado inseridos no envelope número 9 do processo sobre abusos sexuais de menores da Casa Pia.
A constituição dos três jornalistas como arguidos é, até agora, a primeira reacção visível do inquérito ao caso sob a tutela do procurador-geral Souto Moura.
Está em causa "a liberdade de imprensa"
Jorge Van Krieken considera que o que está em causa "é a liberdade de imprensa, que está a ser totalmente beliscada", acrescentando, em declarações à Lusa, que a apreensão do seu computador "é uma violação encoberta por uma ideia de um inquérito que não faz sentido nenhum a uma notícia divulgada a 13 de Janeiro".
Afirmando estar tranquilo, o jornalista "free-lance", que está a ser aconselhado pelo advogado do Sindicato dos Jornalistas, Serra Pereira, apresentou um pedido de "incidente de recusa", alegando "violação do sigilo profissional". Van Krieken pediu ainda à juíza presente nas buscas que defendesse os seus direitos, liberdades e garantias, entendendo a magistrada que "ninguém podia ter acesso às informações apreendidas, mandando selar todo o equipamento".
Segundo o jornalista, o mandado de busca e apreensão saiu da Direcção Central Investigação e Acção Penal e foi assinado pelo juiz Alfredo Costa.
"O meu computador tem toda a minha actividade profissional lá dentro, contactos com fontes, nomes, telefones, tudo", sublinhou, sustentando que esta acção pretende "criar um clima de repressão e assustar as fontes dos jornalistas".
"Aconselho o procurador-geral da república a mandar apreender os cinco milhões de computadores que existem no país, pois todos têm conhecimento do que se passa com o envelope 9", sugeriu.
Caso do "envelope 9"
O caso foi conhecido quando o jornal "24 horas" noticiou que o Ministério Publico solicitou à Portugal Telecom e juntou ao processo Casa Pia uma facturação detalhada de 208 números de telefones de rede fixa instalados em residências de vários titulares de órgãos de soberania e de pessoas que detêm ou detiveram elevados cargos públicos. Segundo o jornal, os registos referiam-se a chamadas realizadas entre 10 de Dezembro de 2001 e 7 de Maio de 2002, ou seja, ainda antes de ter sido noticiado o escândalo que viria dar origem ao processo Casa Pia.
Ainda de acordo com o diário, a facturação em causa estaria em cinco disquetes junto aos autos, guardadas no envelope número 9.
No mesmo dia, a Procuradoria-Geral da Republica (PGR) garantiu que a notícia era falsa. "Não foi em momento algum pedida a facturação detalhada dos telefones instalados nas residências citadas das pessoas em causa, não existindo - nem podendo existir - no processo qualquer despacho a solicitar à operadora PT o envio desses documentos", sustentava uma nota do gabinete de imprensa da procuradoria.
Segundo a PGR, o envelope número 9 referido pelo "24 Horas", que conteria os referidos registos, tinha apenas "a facturação detalhada de um único telefone fixo, atribuído a um dos indivíduos constituídos arguidos no processo, o dr. Paulo Pedroso". Ainda de acordo com a procuradoria, a única facturação de um telefone fixo que consta do processo Casa Pia - a de Paulo Pedroso, que na altura estava a ser investigado - "foi solicitada à PT por despacho do Ministério Publico, a coberto de despacho do juiz de Instrução Criminal".
Perante esta situação, a PGR avançou que foi "ordenada a instauração de inquérito destinado a apurar responsabilidade pela origem, autoria e conteúdo de tal notícia".
Horas depois, o director do "24 Horas", Pedro Tadeu, confirmou a notícia divulgada pelo jornal, afirmando que as listas em causa "existem mesmo", nomeadamente na redacção do diário, "em sistema informático, onde se pode ler o número do telefone de cada uma dessas figuras do Estado, o número de telefone que elas ligaram, o dia em que a chamada foi feita, a duração, e a hora da chamada", entre 10 de Dezembro de 2001 e 7 de Maio de 2002.
No dia 20 de Janeiro, quando foi ouvido perante a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, o procurador-geral da república reconheceu que errou quando afirmou que o chamado "envelope 9" do processo Casa Pia continha apenas a facturação detalhada de um telefone de Paulo Pedroso.
Souto Moura reafirmou que foram pedidos à PT os registos das chamadas do deputado Paulo Pedroso, mas admitiu que a lista publicada pelo "24 Horas" continha o registo de figuras do Estado. O procurador assegurou ainda que os pedidos de facturação detalhada feitos pelo Ministério Publico à PT e a outras operadoras de telecomunicações referiam-se apenas aos arguidos do processo de abusos sexuais na Casa Pia.
in Público online, 15 de Fevereiro de 2006
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