“The plot thickens”, diriam os ingleses… Estou a falar do caso do “Envelope 9” momentaneamente esquecido dos media por causa das eleições, mas que não tardará a voltar à baila. Na sexta-feira, em plena “gran finale” eleitoral, Souto Moura foi à Comissão Parlamentar e explicou-se como pôde. Saiu-se relativamente bem - a avaliar pelas suas declarações, houve mais descaso, confusão e inabilidade do que dolo propriamente dito; mas vamo-nos apercebendo de que as coisas estão longe de estar explicadas - e provavelmente nunca estarão, até porque não é habito dos brandos costumes condenar alguém pelas trapalhadas no aparelho de Estado.
No entanto, mais uma vez ficou evidente o lado político da questão. Ou seja, não se trata “apenas” de um caso que implica o bom funcionamento da justiça, os direitos dos cidadãos e as contínuas fugas de informação dos processos. Trata-se de um caso incluído num contexto político em que parece haver intenções ocultas à volta do Procurador Geral, por causa, ou a propósito, do “processo Casa Pia”. Primeiro, na altura em que Ferro Rodrigues foi considerado suspeito, e Paulo Pedroso indigitado (além de correrem por aí outros nomes) dizia-se que seria uma manobra oculta do PSD para desestabilizar o PS - o que efectivamente aconteceu, com a fragilização e quase destruição política de Ferro Rodrigues. Depois, Paulo Pedroso passou misteriosamente de bastante comprometido para completamente ilibado, o que levanta dúvidas de lógica: ou a Procuradoria se enganou redondamente, mandando para a prisão preventiva (e liquidação política) um cidadão inocente, ou cedeu a pressões políticas, essas da área do PS, ilibando-o depois completamente. Não seria uma altura do Presidente chamar publicamente Souto Moura para explicações, como há duas semanas? Agora, em que surge a questão dos registos telefónicos, a manobra seria do PS, para afastar Souto Moura antes da eleição de Cavaco, que parece que gosta do Procurador. O facto é que o momento escolhido pelo “24 Horas” para fazer rebentar o escândalo não pode ser casual - não há coincidências em política. Então, os complots andariam entre o PS, o PSD, e outros interesses ocultos, cuja identidade varia com a opinião do comentador: Cavaco, Socrates, pedófilos invisíveis e poderosos, forças ultra-conservadoras que querem desestabilizar o regime… tudo é possivel, uma vez que nada se sabe. Contudo, dentro destas “teorias da conspiração” há um pormenor que não chamou a atenção da comunicação social, por motivos de que noutra altura falarei. Trata-se da acção que criou o presente escândalo, a publicação das listas pelo “24 horas”. O jornal, lançado com a proposta notória de destronar o “Correio da Manhã” sendo ainda mais ordinário (palavra que resume vários adjectivos), notabilizou-se por uma sucessão de “furos” absolutamente inacreditáveis - tantos, que seria difícil enumerar, mas posso lembrar um caso típico: a primeira página toda ocupada por uma manchete gigantesca a dizer “O pai de Sócrates pede ao filho para não aumentar os impostos”. Não é preciso ser jornalista para avaliar uma notícia como esta, que na verdade não é notícia nenhuma. Mas não são as discutíveis opções editoriais do “24 Horas” que me deixaram a pulga atrás da orelha; afinal a direcção pode querer subir de nível e começar a investigar casos reais, com um mínmo de interesse para o público. Segundo Pedro Tadeu, director do “24 Horas”, disse nesse mesmo dia, em entrevista à SIC, a redacção levou muito tempo a “perceber o que havia nas cassetes” - ou seja, a detectar o filtro, localizar os utentes dos números, confirmá-los e fazer os cruzamentos. Portanto, as cassetes estavam na redacção pelo menos há algumas semanas. Fazem parte de uma devassa permanente do jornal aos documentos públicos do caso, não para o esclarecer ou trazer novos factos, mas sobretudo para o desacreditar, de um modo ou de outro. A notícia poderia ser publicada depois das eleições, que teria igual impacto, e subiria à mesma as vendas ou o nível do jornal (supondo que era essa intenção). Portanto, quando Pedro Tadeu diz que publicou agora porque só agora teve a informação completa, está a mostrar uma indiferença ou uma ingenuidade em relação ao quadro político que não são plausíveis num director de jornal. Ora bem, há seis anos, quando trabalhei na redacção da Capital, Pedro Tadeu era um dos editores; e não escondia a sua militância no PCP, antes fazia uma certa gala. Ao lembrar-me disto, telefonei a alguns jornalistas meus amigos, com duas perguntas sobre o que realmente me faz espécie. Primeiro, se um militante comunista é director de um jornal e lhe vai parar à mão um caso de grande importância política, consultará ou não o Partido sobre a melhor oportunidade de o publicar? Segundo, porque é que nenhum meio de comunicação social falou sobre esta filiação de Tadeu, conhecida pelos jornalistas da Capital, entretanto espalhados por outras redacções? Da segunda questão falarei noutra altura, para não me alongar muito. Quanto à primeira, todos concordaram que, por princípio, o militante certamente que coordenará a publicação com os interesses do Partido. A ideologia é mais importante do que a deontologia. E nem sequer se trata de omitir informação, mas de a por na rua num dado momento. Não estou a dizer que Tadeu tenha procedido dessa maneira, porque não tenho quaisquer provas, nem creio que fosse possível obtê-las; estou apenas a estabelecer uma probabilidade a partir de factos conhecidos. Não sou anti-comunista, nem sinceramente acredito que o Partido ande por aí a tentar fazer a Revolução (já lá vai o tempo); e não faço a mínima ideia quais os motivos que levariam o PCP a querer a cabeça do Procurador-Geral, a desacreditar o Poder Judicial em geral, ou o processo Casa Pia em particular. Mas não posso negar que estes factos levam a pensar.
in perplexo, 20 de Janeiro de 2006
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