Porque é que o DN é mais importante que os outros?

Alexandre leu no site do Diário de Notícias que apenas 67 dos 150 doentes com hepatite C em risco de vida receberam o medicamento inovador que o ministro da Saúde prometera entregar até ao fim do ano. Alexandre foi um dos privilegiados. Tinha, agora, 90% de hipóteses de salvar a vida. Mas estava indignado. Chamou a filha: “Joana, estás a ver aqui isto no DN? Estes tipos continuam a condenar à morte uma data de gente…” e, ao mesmo tempo, lembrou- se do dia em que o pai o chamou, de jornal na mão, a perguntar: “Estás a ver aqui isto?...”
“Fizeste agora 10 anos, já tens idade para começar a perceber estas coisas.” A notícia anunciava para o domingo seguinte, 6 de outubro de 1974, a mobilização da população para um dia de trabalho gratuito. “No domingo vamos com uns amigos limpar a estátua do Marquês do Pombal”, declarou João Mário, à espera das perguntas do Alexandre, ao mesmo tempo que se lembrava do dia em que a mãe também o chamou, de DN na mão, a perguntar: “Estás a ver aqui isto?...”
“O teu pai vai voltar já para casa.” Em maio de 1958 o marido de Julieta, António, passou uma noite na PIDE por ter arrancado da fachada da sua loja, pintada de fresco, um cartaz de apelo ao voto no candidato a presidente da República do regime, Américo Tomás... Na manhã seguinte Julieta, aflita, lia o que diziam os oposicionistas liderados por Humberto Delgado. Encorajava João Mário, convencida de que algo mudava no país, ao mesmo tempo que se lembrava do dia em que o pai, de DN na mão, lhe perguntava: “Veja aqui isto, princesa...”
O Diário de Notícias relatou em dezembro de 1918 o assassinato do presidente da República, Sidónio Pais. O tenente Rodrigo explicava à filha que nessa noite iria fugir de casa, durante uns dias. “Porquê?”, perguntava Julieta, chorosa. Rodrigo, um militante do presidente-rei, adepto da ditatura militar salvífica do país, não sabia como explicar à criança o perigo de vida que ele próprio corria. E lembrou-se do dia em que o pai, DN na mão, perguntou: “Está a ouvir isto, Rodrigo?...”
“É a decadência de Portugal”, declarava o doutor Pestana, indignado com a notícia da cedência ao ultimato inglês de 1890, que obrigou Portugal a abandonar territórios em África. O médico lia o jornal à família todos os dias. A mulher e os três filhos ouviam-no, por vezes com extrema atenção, por vezes distraídos ou enfadados. Mas o Diário de Notícias conquistara o lugar de membro da família.
Ao fim de 150 anos contam-se milhares de famílias cuja história se conta com um Diário de Notícias no enredo. E amanhã, e depois, e muito depois, haverá, perene, o som de um pai a chamar assim pelo filho: “Olha lá, estás a ver aqui isto no Diário de Notícias?...”

in Diário de Notícias, 30 de dezembro de 2014

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