Este texto sintetiza o pensamento e o discurso de qualquer governante, militante do PS, do PSD, do CDS ou alegado independente que nos últimos 30 anos tenha opinado sobre a greve. Qualquer greve. É toda uma filosofia política. Passo, então, a citar.
"Os professores podem fazer greve, é um direito, mas essa luta não pode afetar a vida dos alunos. Os maquinistas, os ferroviários, os motoristas da Carris e da STCP também, é legítimo, mas devem salvaguardar o transporte das pessoas que querem trabalhar."
"A greve é um direito inalienável, mas os estivadores devem levar em conta o superior interesse nacional e descarregar os navios. Também os pilotos e os controladores aéreos podem fazer greve se os aviões importantes voarem. Os bombeiros têm direito à greve se ficarem em alerta para emergências. Os guardas prisionais grevistas devem levar os presos a passear ao pátio da cadeia. Mas, repito, não pode estar em causa o direito à greve."
"O direito à greve não se discute, é garantido pela Constituição, mas tem limites. Os órgãos de soberania não fazem greve. Os militares, os magistrados e os juízes não podem fazer greve. Os enfermeiros e os médicos podem fazer greve desde que garantam as urgências de todos os hospitais. Os camionistas podem parar desde que assegurem importações, exportações e distribuição para hipermercados... É preciso bom senso, não é?... Os trabalhadores da recolha de lixo grevistas têm de assegurar a boa saúde pública. Os jornalistas têm direito a paralisar mas os noticiários têm de relatar a greve, um direito que em democracia não pode ser posto em causa."
"Na Auto Europa os trabalhadores devem ser muito prudentes na questão da greve - um direito inviolável - não vá a fábrica ser deslocalizada. Bancários em greve? Sim, mas o sistema financeiro não pode ficar comprometido. Os trabalhadores da hotelaria devem levar em atenção o impacto que isso tem no turismo, um sector estratégico nacional. Nos Estaleiros de Viana do Castelo as greves levarão a empresa ao fecho. Mas, reforço, a greve é um alicerce da nossa democracia!..."
O direito à greve foi assim transformado numa inalienável hipocrisia constitucional: um grevista é sempre, a priori, acusado por esta gente de estar a fazer mal ao País. E em qualquer empresa privada quase ninguém faz greve pois arrisca, logo, o desemprego.
A greve é, portanto, um direito que não se discute, como o poder papagueia há 30 anos, porque está tendencial e deliberadamente inutilizado. Começar a reverter isto é um serviço ao País. Quando os professores têm coragem para pontapear este pedregulho atravessado no caminho da democracia, dão-nos uma grande lição cívica.
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