O caixão de Gabriela Canavilhas

O Estado tem de subsidiar alguma actividade artística. Porquê? Para satisfazer os prazeres caros de meia dúzia de elitistas? Não. O motivo é muito mais pragmático e, talvez, igualmente um pouco cínico.
Um país perde competitividade se não tiver actores, músicos, cantores, escritores, encenadores, pintores, escultores, bailarinos e cineastas que trabalhem e produzam regularmente, de forma a que surjam de vez em quando alguns cidadãos que façam parte do topo mundial da criação artística.
Portugal seria materialmente mais pobre, menos interessante, menos apelativo se não tivesse para oferecer ao mundo o prestígio, a referência, os nomes, os trabalhos e as obras de José Saramago, Manoel de
Oliveira, Paula Rego ou Maria João Pires. Se até o futebol, negócio de milhões e que criou Cristiano Ronaldo, é, em parte e sem contestação, subsidiado pelo Estado!...
Por outro lado, um país perde dinheiro se não tiver alguns públicos exigentes e culturalmente evoluídos: porque perde características que o tornem marca distintiva no planeta, porque perde índice intelectual na sociedade, nas empresas, porque perde imaginação e inteligência na economia, porque perde, em consequência, capacidade de criar riqueza.
Ter produção e consumo cultural de luxo não é um luxo, é apenas um dos múltiplos factores que ajudam a resolver, bem, a complexa equação de levar ao êxito um pequeno país num enorme mundo globalizado.
Sim, é inadmissível dar milhares de euros dos contribuintes para um filme visto por menos pessoas do que um vídeo de férias de família. Sim, não é aceitável sustentar um grupo de teatro profissional que encene uma peça pior do que uma peça escolar infantil. Isso tem de acabar.
O problema é, cronicamente, seja no Estado central seja nas autarquias, os subsídios que se atribuem limitarem-se a tornar legal o favorecimento pessoal, o nepotismo, a compra de apoio político, o embarque bacoco em efémeras modas queques, o alinhamento partidário e, finalmente, o frete empresarial, regional e de seita.
A ministra da Cultura, do ponto de vista de carácter, deixa muito a desejar se o medirmos pelo infame comunicado em que exulta pela demissão do director-geral das Artes. Dada a crise e os cortes nos subsídios, só lhe resta, se ainda quiser salvar a face, inventar o que até hoje ninguém inventou: uma política de apoios séria, criteriosa, transparente e financeiramente responsável. Mas, é quase certo, Canavilhas vai falhar e, com isso, dará mais argumentos a quem quer acabar, de vez, com as ajudas do Estado aos artistas. Será mais um prego no caixão português.
In “Diário de Notícias”, 13 de Julho de 2010

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