Todos vivemos sete vidas

Quase todos temos sete vidas para experimentar, como os gatos. Vamos lá ver. Com 1 ano tive pena de deixar de mamar. Com 3 anos adorei ir para a escola e o meu quarto tinha muitos brinquedos. Aos 5 anos planeava ser astronauta e achava as raparigas parvas. Esta foi a minha primeira vida. Foi curta mas diverti-me imenso.

Aos 9 anos planeava guiar autocarros da Carris e namorar uma data de raparigas. Aos 12 anos planeava ganhar um prémio Nobel e namorar uma data de raparigas. Aos 15 anos planeava ser guarda-redes no Sporting e namorar uma data de raparigas. Aos 16 anos planeava mudar o mundo e namorar uma data de raparigas. Aos 18 anos deixei de fazer planos. Esta foi a minha segunda vida. Foi curta e, ainda por cima, não namorei uma data de raparigas.

Aos 20 anos planeava ser uma vedeta da rádio, ajudar o meu partido, encontrar a mulher da minha vida e ter um filho. Aos 25 anos era locutor, trabalhava no meu partido e casei-me. Aos 26 anos tinha uma filha. Aos 30 anos apeteceu-me mudar de vida. Esta foi a minha terceira vida. A felicidade.

Quis ir para os jornais, quis mudar de casa, quis, apenas, mudar. Eu, a minha mulher e a minha filha mudámos. Passei a chefiar a redacção de um jornal diário e isso fazia-me cócegas ao sono, acordava a sorrir. Aos 39 anos puseram-me a dirigir o 24horas e entrei em delírio. Esta é a minha vida actual, a quarta. Ainda é curta, mas deu-me tudo o que quis ter e está a ser óptima.

Tenho um bocadito de medo das três vidas que ainda poderão vir: a maturidade, a reforma, a velhice. Não tenho brinquedos, não tenho planos, não terei mais filhos, acabarei a profissão... Mas, como um gato, se me deixarem, não resistirei à curiosidade de as experimentar. Afinal, estas sete vidas são três dias. Há que aproveitar.

in 24horas, 4 de Fevereiro de 2006

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