Já não me lembro qual foi o cerebrozinho que se saiu com esta, mas a frase é a seguinte: “a dança é a expressão vertical de um desejo horizontal”. Tiro desta tenebrosa generalização, claro, as danças de guerra, de desafio ou de trabalho, como a Haka dos Maori da Nova Zelândia, o fandango ribatejano ou o breakdance da Nova Iorque negra. Mas não compliquemos...
O que quero dizer é que um casal a dançar a valsa, o twist, o sapateado, o disco, o samba, a gafieira, tango, maxixe, swing, salsa, bolero, rumba, o que quiserem – até patinagem artística – parece sempre estar a fazer uma única, exclusiva e significativa coisa: a simulação do acto sexual. É a minha cabecinha imoral que me impele a ver o que lá não está? Precisarei de ajuda psiquiátrica? Talvez de limpar os óculos? Ir mais vezes a casa? Calma aí! Não é preciso ser-se muito observador, não é preciso ser--se muito perspicaz, não é preciso serse muito inteligente para perceber que a dança de que aqui falo é mesmo disso que trata: procura, desafio, sedução, paixão, criação, explosão e agradecimento. Isto é, ou não é, a descrição de um acto sexual?
Encontrada esta verdade de senhor de la Palisse vem a parte mais complicada: o ciúme. E o ciúme corrói-me por dentro, a mim que não sei dançar, que troco os pés, que sinto vergonha da hesitação destes braços nervosos e incertos, que meneio fora de tempo esta cabeça ridícula, que gingo as pernas aos tropeções descoordenados. E ciúme de quê? De todos os homens e mulheres que dançam. Porquê? Porque exibem ao mundo, espampanantes – belos e leves –, o mais lindo, íntimo e secreto dos desejos humanos. Eu não o posso fazer. E isso é uma terrível impotência.
in 24horas, 11de Fevereiro de 2006
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