O orgulho de um professor

Em tempos que já lá vão dei aulas de uma disciplina que tinha o enganador nome de “Tecnologias de Informação”. Resumia-se, na prática, a ensinar adolescentes com mais de 16 anos a escrever e a fazer contas num computador. O problema maior era que uma grande parte dos alunos do 10.º e 11.º anos que encontrei nunca poderia ter grande brilhantismo na coisa porque não sabia sequer escrever em papel, quanto mais através de um computador... E quanto a contas, ainda era pior. Mas também é verdade que só havia um PC para cada três alunos, que metade do tempo de ensino era destinado a aulas teóricas que não interessavam nem ao Menino Jesus (eram só um truque do Ministério para iludir a falta de equipamento) e que nos jogos os putos “burros” se revelavam, afinal, muito desembaraçados quanto à utilização da informática. Para ser sincero, adorei a experiência – até porque nas tais aulas teóricas podia falar, falar e falar sem ser interrompido, o que enchia de vento a parte mais pretensiosa do meu ego – mas terminei-a porque o jornalismo começou a pagar-me melhor e a ocupar- -me cada vez mais tempo. E, peço desculpa, também porque o mundinho dentro da sala de professores era insuportável...

Uns dois anos depois estava num centro comercial a comprar óculos. Enquanto olhava para o espelho a ver se uma armação amarela me dava o ar de intelectual modesto com que procurava vender-me ao mundo, oiço ao meu lado uma vozinha tímida: “Professor?...”. Era uma das minhas antigas alunas de informática que estava ali. Senti-me ultraorgulhoso: chamarem-me professor, fora do contexto das aulas, e reconhecerem-me assim, com evidente prazer! Falámos um bocadinho, percebi que a cabeça dela estava bem arrumadinha – por acaso era das moças mais brilhantes que apanhei nas aulas – e, depois, lá nos despedimos. Nunca mais a vi. Mas convenci-me que, com o meu trabalho, dei qualquer coisa àquela rapariga que ela achou ter valido a pena receber. Qualquer coisa mais do que aprender a escrever num computador. Valeu, portanto, a pena.

in 24horas,. 14 de Janeiro de 2006

Sem comentários:

Enviar um comentário