A imaginação do mundo da moda

Já publicámos aqui no 24horas inúmeras entrevistas com modelos famosas, encantadoras e deslumbrantes estrelas das passarelas, pessoas de carácter perturbante, gente insensível ao peso dos olhares lúbricos e à exibição erótica do próprio corpo. Mas, para ser sincero, fico perplexo quando elas se põem a falar da adolescência e descrevem, quase invariavelmente, terem sido alcunhadas pelos colegas de carteira de “magrizelas” ou “escanzeladas”. Sugerem assim ser a magreza que as lançou na carreira algo natural, metabólico, e não o fruto de dietas milagrosas ou de plásticas habilidosas. 

O primeiro contacto que tive com o mundo da moda já foi no tempo em que os animais falavam, a televisão era a preto e branco e a patroa do meio era uma senhora chamada Maria Leonor, emblemática locutora dos primórdios da RTP, com um bocado de mau feitio, repleta de arrogância e fatos saia- -casaco. 


Uma amiga minha, já não me lembro como, foi escolhida para desfilar uns vestidos numa passagem que era apresentada e produzida por Maria Leonor. Essa minha amiga era uma morena de cabelos pretos compridos, lindíssima, de corpo muito bem desenhado (sim, estive apaixonado por ela, mas depois passou-me...), que preferia ler Álvaro de Campos a andar naqueles preparos. Mas a perspectiva de ganhar uns tostões e a pressão dos que a rodeavam lá a decidiram. 


O desastre aconteceu quando subiu à passarela: Maria Leonor anunciava ao estimado público que a Ana nascera em Luanda. Daí, insistia, a sua beleza exótica, “com sabor a África”, “selvagem e perturbante”, ideal para vestir as criações de já não sei que costureiro, adepto das “paletas de cores quentes e sensuais, típicas das paisagens africanas”. A Ana, nascida em Lisboa numa qualquer Alfredo da Costa ali ao virar da esquina, ao ouvir tanta aldrabice ia torcendo o pé nos sapatos de salto alto. Perdeu-se assim uma modelo: ela voltou para o Fernando Pessoa e nunca mais quis ouvir falar em moda.
in 24horas, 11 de Março de 2006

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