O 24horas trouxe para a imprensa a coragem do sorriso crítico. Impediu que o processo Casa Pia fosse um linchamento judiciário. Demonstrou que as relações pessoais e privadas entre poderosos e famosos são decisivas para a vida pública, para os negócios e para a política que governa os portugueses. Descobriu José Castelo Branco e todos os outros e todas as outras. Revelou o mundo das festas snobs, a entrada destes “famosos” na TV, os negócios de agenciamento, publicidade e relações públicas que os acompanharam. Fez a crónica de costumes do país, traçou o carácterde vedetas, políticos, líderes de opinião e narrou as pequenas e grandes mudanças éticas e de conduta desta gente que define os comportamentos quotidianos de toda a sociedade.
O 24horas não teve medo de nenhum dos três governos e dois Presidentes que ao longo do tempo passaram. Ignorou a política politiqueira que atravessa tanta outra imprensa... a não ser que nos fizesse rir!... Mostrou os bastidores do governo de Santana Lopes, o que foi decisivo para a queda desse Executivo. E recusou fazer propaganda nazi disfarçada de candidatura eleitoral.
Adeus
No dia 11 de Fevereiro de 2003 apareceu pela primeira vez o nome do jornalista que assina esta crónica no cabeçalho do 24horas. “Director: Pedro Tadeu”, anunciava-se. Nos 1733 números anteriores o peso da função tinha caído nos ombros de quatro outros jornalistas, a começar pelo fundador do jornal, Rocha Vieira, e a terminar no homem que o salvou do fecho iminente, Alexandre Pais. Desde esse dia o 24horas fez várias coisas notáveis. Passo a registar algumas.
O 24horas deu, com verdadeira independência, os vários lados dos casos Apito Dourado, Carolina Salgado, Freeport, BPN e BPP. Escreveu como antes ninguém tinha escrito sobre dirigentes do futebol, jornalistas poderosos, economistas, banqueiros, figuras da Justiça. Esteve na vanguarda do noticiário do caso Maddie e do caso Joana. Desmascarou as fragilidades da investigação criminal. Impediu o alarmismo e foi pedagógico em casos de saúde pública, como o da gripe das aves ou o da gripe A. Obrigou a entretanto empossada ERC a respeitar este jornal e os jornalistas que cá trabalham.
O 24horas trouxe para a imprensa portuguesa um largo leque de novas técnicas jornalísticas, de assuntos invulgares, de ângulos de abordagem originais, de nova organização de trabalho de redacção. Técnicas que foram depois copiadas, repetidas e, até, melhoradas por outros.
O 24horas, quando o mercado de imprensa se alimentava a golpes de marketing, também esteve à frente do seu tempo. Em tempo de crise, acabada a fonte do marketing, apostou em formatos novos como o actual, antecipando uma tendência e colocando-se novamente um passo à frente da concorrência.
O 24horas envergonhou os jornais de referência ao tratar com verdadeira dignidade os direitos de resposta das pessoas que se sentiram atingidas pelas suas notícias. Fez corar toda a imprensa falsamente moralista, ao dar destaque de manchete aos erros que reconheceu ter cometido, coisa até então inédita. Estabeleceu um novo padrão ético, muito mais exigente, na publicação de notícias e fotografias de menores.
O 24horas revelou que a liberdade de imprensa pode em qualquer altura ser violada pelo poder, não é garantida, como foi exemplificado pela notícia do “Envelope 9” e as subsequentes buscas e apreensões ilegais feitas nesta redacção.
O 24horas demonstrou, com três administrações diferentes – lideradas, respectivamente, por Henrique Granadeiro, Luís Delgado e Joaquim Oliveira, que nesta questão foram absolutamente exemplares e solidários – ser ainda possível manter a independência dos jornais e dos jornalistas, desde que aquilo que eles publicam esteja ancorado na verdade e na lealdade.
O 24horas foi dos famosos e dos anónimos. Sem fazer disso uma manobra publicitária hipócrita, este jornal, através das contribuições financeiras dos seus leitores, ajudou inúmeras pessoas cujos problemas e dificuldades foram aqui notícia. Chegámos a construir uma vivenda adaptada a um deficiente; pagámos cursos artísticos a jovens de talento e até entregámos um cheque à mãe de um polícia morto em serviço. O 24horas fez aquilo que os leitores quiseram fazer com ele.
Hoje, 3 de Agosto de 2009, o meu nome aparece pela última vez no cabeçalho da primeira página. Achei que já era tempo, pois 2352 edições sempre em tensão conflitual, após 149 processos judiciais (e, até agora, nenhuma condenação), sempre a tentar inovar e a ser arrojado, num jornalismo sério mas tablóide, desgastam qualquer um. Esse desgaste prejudica o jornal. Amanhã, o jornalista Nuno Azinheira vai sentir a mesma emoção que eu senti em Fevereiro de 2003 e, garanto-lhe, caro leitor ou leitora, fará tudo, certamente muito mais e melhor do que eu faço, para que você sinta que este 24horas não é dos jornalistas ou dos directores de jornalistas. O 24horas é, isso sim, dos seus leitores... Vou morrer de saudades, mas aqui fica o meu adeus.
In 24horas, 3 de Agosto de 2009
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